Com a atividade econômica dando sinais de desaceleração, economistas estão mais confiantes de que o choque de juros dado pelo Banco Central está surtindo efeito e já veem mais próximo o fim do ciclo de alta da taxa básica (Selic).
Para a próxima quarta-feira (19), o mercado financeiro dá como certo que o Copom (Comitê de Política Monetária) seguirá o roteiro prescrito no encontro anterior e vai elevar a Selic em um ponto percentual, a 14,25% ao ano. Depois disso, a expectativa é de ritmo menor de alta de juros nas reuniões de maio e junho.
Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e presidente do conselho da Jive Investments, afirma que “a guerra” contra a inflação “ainda não está ganha”, mas vê o arrefecimento da economia brasileira e a queda da inflação implícita no último mês como indícios de que o “remédio” de juros começou a fazer efeito.
A economia brasileira fechou 2024 com alta de 3,4% no acumulado do ano, mas perdeu ritmo no quarto trimestre, segundo dados do PIB (Produto Interno Bruto) divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na semana passada.
Inflação implícita é um jargão usado por economistas para definir aquela que está embutida na curva de juros futuros, ou seja, tem relação com as projeções do mercado para os preços no país.
“Vai fazer todo o efeito que a gente precisa? Não sabemos ainda. Mas vamos continuar dando novas doses de remédio”, diz.
Os dados mais recentes da economia mostram, segundo ele, que o BC não precisará colocar os juros “na lua”, como estimado por agentes econômicos no fim de 2024. Em dezembro, com o dólar em alta, o mercado chegou a apontar a necessidade de a Selic atingir um nível acima de 16% para frear expectativas para a inflação.
Na avaliação de Figueiredo, o ciclo de alta de juros deve terminar em um patamar com a Selic entre 14,5% e 15% ao ano –nível que deve ser mantido estável nos meses seguintes.
“O juro só é tão alto porque as políticas [fiscal e monetária] são antagônicas”, afirma. Ele compara a situação econômica a um carro que tenta acelerar e brecar ao mesmo tempo. De um lado, coloca o BC tentando frear a atividade e a inflação, e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de outro, dando estímulos para a economia, com medidas como a liberação do saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e o novo consignado privado.
O ex-diretor do BC não descarta a possibilidade de cortes ainda em 2025, a depender do ritmo de enfraquecimento da economia e da convergência da inflação em direção à meta.
No cenário de referência do Copom, a projeção de inflação para o terceiro trimestre de 2026 –período em que o BC hoje se propõe a cumprir o objetivo– é de 4%. O alvo central é 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
Com os dados de fevereiro, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acelerou para 5,06% no acumulado de 12 meses. Foi a primeira vez que o índice ficou acima de 5% desde setembro de 2023. Conforme o sistema de meta continua em vigor, o BC prevê um novo estouro do teto em junho.
Sergio Goldenstein, ex-chefe do departamento de Mercado Aberto do BC e hoje estrategista-chefe da Warren Rena, avalia que, depois de uma sequência de movimentos mais agressivos, o BC terá de atuar com mais cautela e parcimônia na reta final do ciclo.
Na visão dele, o Copom deve sinalizar um ritmo de ajuste de menor magnitude para o encontro de maio, levando em consideração, entre outros fatores, os sinais de desaceleração da economia, o comportamento do câmbio e das expectativas de inflação –fator de desconforto aos membros do colegiado.
Ele ressalta que a cotação do dólar usada pelo comitê em suas projeções foi de R$ 6 e agora está na casa de R$ 5,80. “A gente deve ter agora alguma estabilização das expectativas e é possível que, daqui a alguns meses, elas passem a recuar, ainda que de forma moderada porque estão em um patamar muito elevado”, acrescenta.
Ele destaca que a Selic vai atingir um patamar ainda mais restritivo, considerando os efeitos defasados da política monetária sobre a economia. Neste cenário, considera difícil a taxa de juros ficar fora do intervalo entre 14,75% e 15,25% ao ano ao término do ciclo. Ir além disso, segundo o ex-BC, teria impacto maior do que o desejado sobre a atividade.
Em janeiro, o Copom disse em ata ver “sinais incipientes” de que “alguma moderação do crescimento” poderia estar começando. Para Goldenstein, ainda é cedo para o BC ter convicção sobre o grau de arrefecimento da atividade, mas o discurso da autoridade monetária já começa a sofrer alterações.
Em evento em Portugal, o diretor de Política Econômica do BC, Diogo Guillen, comentou que o resultado do PIB veio “um pouco mais fraco do que o esperado”, com o consumo das famílias “também um pouco menor do que o esperado”. “A questão agora é se tal cenário básico de desaceleração está acontecendo ou não”, disse.
O estrategista-chefe da Warren vê espaço para cortes de juros na reta final do ano, desde que haja, por exemplo, a convergência –ainda que parcial– das expectativas de inflação em direção à meta.
Mirella Hirakawa, coordenadora de pesquisa da Buysidebrazil, se coloca no grupo mais “hawkish” (duro) ao projetar que o ciclo de alta de juros termine com a Selic em 15,5% –acima dos 15% projetados pela mediana dos analistas na pesquisa Focus.
“O principal fator [para divergir do consenso de mercado] é o Banco Central ter sinalizado de forma significativa que vai fazer o que for necessário [para levar a inflação à meta] e que as expectativas desancoradas [distantes do objetivo] incomodam”, diz.
Ela pondera, com relação ao esfriamento da atividade econômica, que os efeitos de medidas como a reforma da renda, que prevê a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000, podem dificultar o trabalho do BC.
“As nossas medidas colocam algo próximo de R$ 40 bilhões de liquidez para essa faixa da família até os R$ 5 mil em 2026, o que geraria um impulso de atividade significativo”, afirma.
A economista prevê corte de juros apenas na primeira reunião de 2026, com risco de esse início de flexibilização ser postergado.