Bastou um relatório, um documento assinado por uma empresa da qual pouca gente ouvira falar, e a XP Investimentos virou o assunto —no mau sentido— do mercado financeiro. Analistas da Grizzly Research, dos Estados Unidos, acusaram a corretora de sustentar seus lucros com algo parecido com um “esquema de pirâmide” e, como escreveu Vinícius de Moraes, “de repente, do riso, fez-se o pranto”.
As ações da XP, negociadas na Nasdaq, sofreram uma queda expressiva (mais de 5%) após a divulgação do documento. A corretora, lógico, correu para se defender. Acusou os signatários de divulgarem informações “falsas, incorretas e imprecisas” e disse que tomará “todas as medidas legais cabíveis” contra a Grizzly.
A partir daí, foi uma explosão de “analistas analisando a análise da casa de análise”, uma chuva de opiniões e posicionamentos, como se fosse algo obrigatório para estar no mercado de investimentos falar sobre a tese.
Você já deve ter lido ou assistido a algum vídeo sobre o tema. Em resumo, filtrando os termos feitos para chamar a atenção, como “esquema de pirâmide” ou “esquema ponzi”, a Grizzly acusa a XP de sustentar grande parte de seus lucros —registrados em dois fundos em que ela é a única cotista— somente com a entrada de dinheiro da venda de novos produtos para clientes, não com a aplicação do dinheiro propriamente dita.
O retorno dos fundos é realmente impressionante (mais de 2.400% em cinco anos). Bem acima de outros fundos com a mesma serventia, de corretoras e bancos concorrentes. E a entrada de dinheiro pela venda de produtos a seus clientes é mesmo essencial para tamanho retorno. Daí a dizer que os lucros da companhia dependem de um esquema de pirâmide como o de Bernard Madoff parece exagerado.
Mas não escrevo para dar minha opinião sobre o relatório. A grande questão é que esse caso, ao virar um “Fla-Flu” de investidores e profissionais se posicionando publicamente em defesa ou contra a XP, parece dizer mais a respeito do nosso mercado do que sobre as empresas diretamente envolvidas.
Todo esse rebuliço em torno de uma única análise mostra como nosso mercado se comporta de maneira infantil ao tratar do “short selling” —a aposta nas quedas das ações.
A Grizzly vive disso. Não é a única, nem a maior. Esses “short sellers” buscam problemas em empresas listadas na Bolsa, assumem posições vendidas e, depois, divulgam relatórios com os problemas encontrados. Se suas teses forem bem aceitas pelo mercado e os papéis caírem, elas lucram com a operação.
A existência de pessoas e empresas buscando erros, fissuras e problemas nas empresas listadas em Bolsa é obviamente positiva para o desenvolvimento do mercado. Caso contrário, o investidor seria forçado a embasar suas escolhas olhando apenas o que a companhia quer mostrar.
Se bastasse a inspeção das auditorias —como Deloitte, PricewaterhouseCoopers (PwC), Ernst & Young (EY) e KPMG— nas contas das empresas, não teríamos casos como a fraude das Americanas ou os desvios da Petrobras, descobertos anos após terem ocorrido.
Tratar investimentos como time de futebol, sendo “contra ou a favor” uma empresa ou um relatório, não vai te ajudar em nada, nem vai melhorar nosso mercado financeiro.
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