A vida em sobriedade é completamente diferente daquela alcoólica ativa. Consigo ler e ficar atenta a séries e novelas. Dias atrás vi o trailer da próxima novela das nove, o remake de “Vale Tudo”, de 1989, que vai ao ar no fim do mês. A grata surpresa é poder acompanhar novamente a vida da Heleninha Roitman, na versão original interpretada por Renata Sorrah, e agora por Paolla Oliveira.
Nas minhas farras etílicas, já me servi muito da personagem. Lembro ter imitado algumas cenas e feito chacota da dificuldade dela de parar de beber. Era criança quando a novela estreou. E, claro, não esqueço do enigma mais famoso: quem matou Odete Roitman? E tampouco de flashes da história da Heleninha, a mulher completamente desacreditada porque bebia muito.
Já me fantasiei de Heleninha no Carnaval e também em festa à fantasia. Achava muita graça. Mas minha vida mudou, me descobri alcoólatra e tudo adquiriu um novo sentido. O trailer nas redes da TV Globo mostra a nova Heleninha saindo de uma clínica e tentando resistir ao álcool.
Fiquei animada em acompanhar a novela, em especial os desafios da Heleninha. Hoje sei que eu poderia ser ela, sem precisar me fantasiar. Já passei por alguns momentos em que tive que resistir à bebida. Até que não beber não era mais uma escolha, era uma necessidade. E foi muito triste quando percebi que a bebida teria que sair de cena. Àquela altura, percebi que sozinha seria muito difícil e precisei ser internada.
Foram algumas internações e, assim como vi no trailer, a saída da clínica sempre foi muito desafiadora. Quando fui internada pela primeira vez, ao voltar para a casa da minha mãe encontrei flores de boas-vindas. Mimo da minha irmã, que depois me confessou que estava receosa de como eu iria sair.
É difícil mesmo. Primeiro porque ao ficar internada não é possível se comunicar com qualquer pessoa de fora. Eu vivia uma realidade à parte. Estava ali justamente para esquecer qualquer coisa da minha vida. As roupas eram sempre aquelas que minha família me enviava, meio por acaso. O banheiro era em geral compartilhado com todas as internas, as refeições seguiam uma dieta de engorda. Eu sempre chegava nas clínicas bem mais magra do que o habitual —nos piores momentos de bebedeira eu só bebia, não comia. Quando me sentia muito fraca, tomava vitamina ou iogurte; comida sólida, jamais. Daí, quanto mais eu bebia, mais raquítica eu ficava.
Esse lado importante da minha vida é meio secreto, não saio contando por aí, é um tabu mesmo. Ter esse assunto como tema no horário nobre da TV Globo é muito importante. Sinto que toda vez que estou ali retratatada em um personagem é uma vitória para esclarecer mais sobre o alcoolismo. Lembro ter ouvido o Drauzio Varella ressaltar da importância de falar sobre tabagismo no Fantástico — a série alcançou muita gente, e consequentemente muitas pessoas pararam de fumar.
Heleninha Roitman entrará em cena, acredito, vivenciando um estágio avançado da doença, como foi o meu. E a novela vai mostrar as consequências de suas atitudes. Vou vibrar vendo a novela. Já estou ansiosa pelo dia 30. Minhas noites serão muito bem aproveitadas. Viva a Heleninha!
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