A negociação entre Brasil e Paraguai sobre a tarifa de Itaipu foi tema desta coluna em 4/2/2025. Volto ao assunto em razão da recente edição do decreto nº 12.390/2025. Mas antes convém fazer uma breve recapitulação.
A partir de 2023, com o fim da amortização da dívida para a construção de Itaipu, a tarifa da usina embutida na conta de luz deveria ter caído significativamente, tanto para brasileiros quanto para paraguaios. Se os termos do Tratado de Itaipu tivessem sido cumpridos, o consumidor brasileiro estaria pagando hoje cerca da metade do que paga pela energia de Itaipu.
Porém, os dois governos preferiram criar despesas “socioambientais”, desvinculadas da missão de Itaipu. Para isso, fixaram uma tarifa muito maior do que seria necessário para cobrir os custos da usina, ao arrepio do que diz o tratado. O resultado foi um “lucro”, em 2024, da ordem de US$ 1,5 bilhão, a ser dividido em partes iguais, US$ 750 milhões para cada país. Como cerca de 80% da energia de Itaipu é direcionada para o Brasil, os consumidores brasileiros arcariam com a despesa extra de US$ 1,2 bilhão, e os paraguaios, com os remanescentes US$ 300 milhões.
Todavia esse arranjo causaria aumento da conta de luz dos brasileiros. Para evitar isso, o governo decidiu que Itaipu faria um cashback para os consumidores de eletricidade brasileiros de US$ 300 milhões, diminuindo igual valor das despesas socioambientais do lado de cá da fronteira. Ou seja, os brasileiros pagariam, em suas contas de luz, US$ 900 milhões para gastos com ações socioambientais nos dois lados da fronteira, dos quais US$ 450 milhões no Brasil, principalmente no Paraná.
As ações socioambientais no Paraguai permaneceriam no valor de US$ 750 milhões (US$ 450 milhões custeados pelos brasileiros, e US$ 300 milhões, pelos paraguaios). Para o Brasil, essa negociação resultou num curioso “pague 2, leve 1”.
Não parou por aí. Passados alguns meses, constatou-se que o cashback deveria ter sido de US$ 420 milhões (não de US$ 300 milhões) a fim de manter a conta de luz no patamar atual. Para resolver o problema, o governo poderia ter diminuído ainda mais as despesas socioambientais em território brasileiro. Mas optou por editar o citado decreto, que permite sacar a diferença de US$ 120 milhões do “bônus de Itaipu”.
Trata-se de dinheiro cobrado a mais do consumidor no passado, que deveria ser devolvido no futuro por meio de redução da conta de luz, como aconteceu em janeiro deste ano, com efeito benéfico sobre a inflação. Ou seja, como um mágico, o governo colocou dinheiro no bolso esquerdo do consumidor, tirando do bolso direito do próprio consumidor.
Lamentavelmente, Itaipu não é exceção. O Executivo e o Legislativo têm optado por decisões que protegem interesses localizados de pequenos grupos com o sacrifício do interesse coletivo da sociedade. Muitas emendas parlamentares se enquadram nessa descrição.
Há uma exceção que merece reconhecimento: o presidente Lula vetou os “jabutis” inflacionários que lobbies atuando no Congresso inseriram no projeto de lei sobre eólicas offshore. São emendas que, se fossem aprovadas, causariam aumento médio da conta de luz equivalente à bandeira vermelha 2 (a mais cara), por 25 anos.
Oxalá o Congresso entenda que a soma de interesses individuais difere do interesse coletivo. E mantenha os vetos presidenciais.
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