Prestes a vencer a Segunda Guerra Mundial, o presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, encomendou um estudo sobre como garantir a competitividade e o bem-estar do país no pós-guerra. A conclusão do relatório “Science, the Endless Frontier” foi clara: investir no sistema universitário.
Leis garantiram a autonomia científica, recursos públicos foram investidos e condições administrativas foram criadas para atrair algumas das mentes mais brilhantes da Europa Central, que fugiam da guerra, da pobreza e da perseguição. Centenas de professores universitários cruzaram o Atlântico, como Albert Einstein e John von Neumann (Princeton), Enrico Fermi e Hannah Arendt (Universidade de Chicago), Hans Bethe (Cornell), Theodor Adorno (UC Berkeley) ou Herbert Marcuse (Columbia).
Em poucas décadas, os antigos colégios religiosos de tijolinho, antes frequentados por jovens herdeiros endinheirados da costa leste dos EUA, se transformaram em centros de poder global, dando sustentáculo à hegemonia americana e ao progresso científico e tecnológico dos EUA. A viragem está detalhadamente descrita no livro “The Great American University” de Jonathan R. Cole, publicado em 2009.
Mas as universidades americanas estão sendo saqueadas. A américa de Donald Trump faz lembrar a Alemanha de Hitler. Quando chegaram ao poder nos anos 1930, os nazis iniciaram um processo de “sincronização” (Gleichschaltung) da economia, da mídia, da cultura e da educação com o receituário nacional-socialista.
Quase um século depois, também a administração Trump manda prender arbitrariamente alunos, proíbe o ensino de determinadas disciplinas progressistas, fecha as fronteiras a talento estrangeiro e usa fundos de apoio à ciência como munição ideológica. O Ministério da Educação demitiu, nas últimas semanas, metade da sua força de trabalho. A Universidade de Columbia teve um corte de US$400 milhões em financiamento público porque foi acusada de antissemitismo.
No mês passado, um procurador trumpista escreveu uma carta à Universidade de Georgetown: “Chegou ao meu conhecimento, de forma fiável, que a Faculdade de Direito de Georgetown continua a ensinar e a promover o DEI (diversidade, equidade e inclusão). Isto é inaceitável”. Este fim de semana, professores de Yale enviaram um e-mail aos alunos alertando para bloqueios iminentes à entrada de estrangeiros no país.
O êxodo de alunos e professores pode estar prestes a começar; Canadá, China e Europa despontam como destinos atraentes. O Financial Times noticiou que a Universidade de Cambridge está se preparando para a vaga de refugiados acadêmicos oriunda dos EUA. Também é uma oportunidade para o Brasil. No comércio global de talentos acadêmicos, pode reverter o saldo negativo. O país conta com 22 graduações entre as melhores do mundo e é líder na América Latina em número de cursos classificados entre os 50 melhores globalmente.
Sim, faltam recursos públicos, infraestrutura de qualidade e o ensino em uma língua global. Mas o Brasil é reconhecido internacionalmente pela excelência universitária em áreas como agricultura e silvicultura, aeronáutica, petróleo e mineração, engenharia ambiental, odontologia ou engenharia de alimentos. Além disso, a ampliação do acesso ao ensino superior nas últimas décadas transformou as universidades em verdadeiros celeiros de criatividade e talento.
No Brasil, o DEI (diversidade, equidade, igualdade) não está proibido, nem se limita a uma disciplina —é um traço identitário. Pesquisadores em biodiversidade não precisam dissecar animais embalsamados ou pegar avião para fazerem trabalho de campo, basta abrirem a porta de casa.
O Ministério da Educação poderá tomar a dianteira, criando mais bolsas para atrair talentos, estabelecendo cátedras internacionais para acadêmicos de renome, reduzindo a burocracia na contratação de estrangeiros e oferecendo incentivos tributários para que professores brasileiros no exterior retornem ao país. Não se trata de uma nova Missão Artística Francesa. Desta vez o Brasil está pronto para uma via de mão dupla.
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