A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) se movimenta para fazer a contratação, em caráter emergencial e sem licitação, de uma auditoria independente que realize o cálculo financeiro da indenização a ser paga à concessionária do aeroporto de Viracopos, a ABV (Aeroportos Brasil Viracopos).
Segundo informações obtidas pela Folha, a agência reguladora iniciou tratativas com a empresa PwC. O contrato com alguma auditoria deve ser formalizado nos próximos dias.
A pressa em resolver essa contratação é mais um episódio na novela em que se transformou a concessão do aeroporto de Campinas (SP), hoje o quinto maior em movimentação de passageiros e o maior em importação de carga do país, responsável por cerca de 40% das mercadorias que chegam por via aérea ao Brasil.
Viracopos foi concedido em 2012 para a ABV, uma sociedade formada pela estatal Infraero, que detém 49% de participação, e a empresa ABSA, dona dos demais 51% e composta por três grupos privados, a Triunfo Participações, a UTC Participações e a Egis Airport Operation, companhia francesa especializada em gestão aeroportuária.
A concessão tinha prazo de 30 anos, mas já nos primeiros anos de contrato passou a apresentar dificuldades financeiras devido à arrecadação inferior ao esperado e ao alto custo do contrato, com suas parcelas anuais fixas.
Seis anos depois de iniciada a sua operação, a ABV entrou com pedido de recuperação judicial, acumulando dívidas de R$ 5,05 bilhões. Naquele mesmo ano, a Anac abriu um processo de caducidade do contrato, alegando descumprimento de obrigações, como o não pagamento da outorga anual.
Em 2020, a ABV formalizou o pedido de relicitação do aeroporto junto à Anac, suspendendo o processo de caducidade, com objetivo de fazer um acerto de contas e transferir o aeroporto para outro dono. A pandemia da Covid-19, porém, atrasou novamente o processo, com o colapso do setor aeroportuário.
Em 2023, a ABV e a Anac chegaram a iniciar tratativas em busca de um possível acordo para manter a concessão e suspenderam a ideia de relicitação, com atuação da secretaria de consenso do TCU (Tribunal de Contas da União). As negociações, porém, fracassaram.
Em outubro do ano passado, o TCU determinou a relicitação, fixando o prazo final para 2 de junho deste ano, sem possibilidade de novas prorrogações. O problema é que falta chegar a um acordo sobre uma informação básica: o valor da indenização a ser paga para a atual concessionária, por causa dos investimentos e bens que ainda não foram totalmente amortizados.
O valor estimado pela Anac é de aproximadamente R$ 3,1 bilhões, enquanto a concessionária fala em cerca de R$ 4,5 bilhões a receber. A contratação de uma auditoria externa pelo governo, portanto, é fator indispensável para apontar, afinal, qual seria o cálculo mais preciso dessa indenização.
A data limite de 2 junho não é aleatória. Deve-se à lei, que determina um prazo de dois anos, prorrogável por mais dois anos, para a relicitação. No caso de Viracopos, é quando este prazo acaba. A relicitação prevê, ainda, a saída da Infraero da nova concessionária.
No TCU, o fato de a Anac não ter contratado a auditoria externa em outubro do ano passado, quando o plano de relicitação foi retomado, é visto como desorganização e até má-fé, porque a agência teve tempo de resolver a questão por meio de uma licitação, mas não o fez, e agora corre para contratar uma empresa em regime de urgência, a menos de três meses do prazo se encerrar.
Questionada sobre o assunto, a Anac declarou que “segue normalmente com o processo de contratação da empresa de auditoria, nos termos da lei, e está confiante de que atenderá os prazos da relicitação do Aeroporto de Viracopos”.
A concessionária de Viracopos afirmou que “confia que a Anac apresentará o cálculo da correta indenização à ABV, auditada antes do edital, conforme a legislação vigente à época do termo aditivo, e que o respectivo pagamento ocorrerá previamente à possível transferência do ativo, também conforme previsto em lei vigente ao tempo da assinatura do termo aditivo de relicitação”.
A ABV também declarou que reafirma seu compromisso com a continuidade da prestação de serviços durante a transição do contrato.
O tema é acompanhado com atenção pelo Ministério de Portos e Aeroportos, que ainda acredita na possibilidade de publicar o edital de relicitação dentro desse prazo. Uma fonte da pasta ouvida pela Folha afirmou que tem a expectativa de publicar o edital, mesmo que a auditoria externa ainda não tenha fechado o valor da indenização. Essa possibilidade, porém, é descartada pelo TCU.
Em seu voto sobre o caso, o ministro do TCU Bruno Dantas deixou claro que “lançar um edital de relicitação sem definir de maneira razoavelmente categórica o valor da indenização significa transportar incertezas para o processo, o que resulta em precificação a menor do valor do ativo e prejuízo para a União”.
Relator do processo, Dantas não vai autorizar a publicação do novo texto sem que se saiba o preço da indenização.
A própria cúpula do governo não acredita que a auditoria externa consiga concluir seus estudos em apenas dois meses. Se isso ocorrer, esse material ainda precisaria ser analisado pela área técnica do TCU, para então haver uma manifestação conclusiva.
O cenário mais provável, portanto, é de que a concessão caminhe para a caducidade. Neste desfecho, a concessionária perde o direito de administrar o aeroporto, e a União reassume sua operação, diretamente ou transferindo a concessão para outra empresa, até que um novo leilão seja realizado.