Foi tentar subir um degrau pondo peso no joelho já meio mambembe, e eu ouvi o estalo, seguido de dor aguda, a ponto de eu ter que sentar na escada para respirar e esperar a dor passar. E logo passou –mas eu me peguei capengando devagarzinho, respirando errado só com o alto do peito, e mais: fazendo o que eu aprendi recentemente que é a expressão facial da dor.
As partes do meu cérebro que organizam meu comportamento obviamente ainda estavam sentindo dor, mas “eu”, não. Como pode?
É um problema um tanto parecido com o que afeta quem lida com animais, sobretudo animais de laboratório que às vezes são sujeitados a procedimentos dolorosos em nome de descobertas em prol do bem-estar humano. Não há como obter um relato direto do que um camundongo sente quando é submetido a sons muito altos (faz parte de pesquisas sobre surdez) ou injeção de substâncias inflamatórias (sem as quais não há como se descobrir novas drogas contra a dor), muito menos saber se a sua sensação de dor é semelhante à nossa.
Mas há como saber quando o que quer que ele esteja sentindo é tão intenso que afeta seu comportamento –e então, detectar essa mudança no comportamento passa a servir como indicação de que o que está errado é muito provavelmente o que chamamos de “dor”, seja lá como ela for percebida conscientemente pelo camundongo.
Há mais de uma década que a neurociência reconhece que a expressão facial reflete estados de dor, e, em tempos de inteligência artificial, vários laboratórios estão desenvolvendo algoritmos para detectar e quantificar a expressão de dor em humanos, e com grande sucesso. Afinal, as “bandeiras” faciais da dor são um tanto óbvias, como o nariz enrugado, a sobrancelha franzida e os olhos fechados com força.
Um estudo feito na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, nos EUA, mostrou em 2024 que algo semelhante também funciona em camundongos. O software que eles desenvolveram, disponível em painface.net, revelou que a expressão facial de dor nesses animais tem o nariz enrugado, os olhos espremidos com força, e as orelhas puxadas para trás.
Megan Wood, pesquisadora recém-contratada aqui na Universidade Vanderbilt, acrescenta um elemento importante: durante o auge de uma enxaqueca causada por injeção do peptídeo CGRP, camundongos fazem tudo isso, sim –e ficam quietos onde estão, com a cabeça congelada na cara de dor, a ponto de a ausência de movimento do nariz, olhos e orelhas serem os indicadores que melhor correspondem aos efeitos farmacológicos e neurológicos do CGRP.
O que isso tem a ver com meu joelho? Eu cheguei recentemente à conclusão de que não sinto dor como a maioria das pessoas. É um aspecto conhecido do espectro autista, a sensibilidade sensorial alterada. Hipersensibilidades levam toda a fama, mas hipossensibilidades também existem. Isso explica como no momento eu acho que meu joelho não dói enquanto eu não me mexer –mas, além da minha respiração alterada, minha expressão facial prova o contrário. Ao menos agora que eu sei da cara de dor, eu posso monitorar se meu cérebro está sofrendo, mesmo que eu não me dê conta.
O que fazer, então? Como a alternativa era matar a aula de pilates programada para ficar sentada uma hora extra trabalhando na frente do computador e respirando errado, o que só prolonga o estado de dor, fui pro pilates para me obrigar a respirar direito. Acho que ajudou…
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