O telefone de Anson Soderbery, professor associado de economia da Universidade de Purdue, nos Estados Unidos, não parava de tocar na manhã de 3 de abril. Os emails encheram sua caixa postal.
“Foi surreal. As pessoas queriam saber como eu tinha me metido naquilo, se tinha envolvimento com o governo. E eu não estive envolvido com nada”, disse ele à Folha nesta quinta-feira (10), uma semana depois.
Para justificar as tarifas de importação aplicada a vários países e como o cálculo foi feito, a Casa Branca tem publicado posts em sites do governo. Cita vários estudos e artigos, professores e frases de economistas que corroborariam, em teoria, a visão de Donald Trump sobre o crescimento econômico possível com taxação de importações.
O problema é que alguns deles não estão contentes com a menção. Consideram que seus trabalhos foram distorcidos ou limitados por Trump.
“Eles [do governo] reduziram toda a economia a um único parâmetro. É uma loucura”, completa Soderbery.
No site do escritório executivo do presidente dos Estados Unidos, foi publicada explicação sobre como a administração federal calculou as tarifas contra diferentes nações. Pesquisadores e documentos foram citados. Entre eles, o artigo “Elasticidade no comércio, heterogeneidade e tarifas otimizadas”, escrito por Soderbery para o Journal of International Economics em 2018.
O governo americano até escreveu errado o nome do professor. Colocou-o como “Soderberry”.
“Era uma análise feita sobre um tema específico. Não sei como eles chegaram a esta fórmula para tentar um equilíbrio maior no comércio e não uma aposta na eficiência econômica. Se este era o objetivo, gostaria que tivessem pensado melhor no assunto”, completa Soderbery.
Ele não foi o único a ficar descontente.
“Trump está impondo tarifas basicamente em todas as importações, mais de US$ 3 trilhões, depois de apenas dois meses de mandato. Tarifas podem ser uma ferramenta legítima e útil para uma política industrial bem definida, mas algo tão amplo e que muda de maneira significativa a média de tarifas nos Estados Unidos não é inteligente”, disse, por meio da assessoria da EPI (Economic Policy Institute, instituto de política econômica), Robert E.Scott, professor da Universidade de Direito de Columbia, nos Estados Unidos.
Em 2 de abril, a Casa Branca publicou texto com o título “Tarifas funcionam – e o primeiro mandato do presidente Trump prova isso”. Menciona trecho de artigo de Scott e Adam S.Hersh que diz que o “aumento de tarifas não causam inflação e sua retirada reduziria a cadeia doméstica”.
O EPI disse considerar que o governo engana o público porque o raciocínio de Scott e Hesrh se refere apenas à indústria de aço e alumínio. Não à economia geral.
“É difícil ressaltar o bastante o quanto o anúncio das mudanças tarifárias [do segundo mandato de Trump] foram radicais”, diz o instituto, já que não foram apenas referentes a aço e alumínio.
Não é a primeira fez que isso acontece com Scott. Ele foi citado 18 vezes em notas de rodapé de um discurso de Trump em 2017, durante seu primeiro mandato.
“As pessoas têm me perguntado se eu concordo com as receitas políticas de comércio do presidente. A resposta simples é não!”, disse o professor à época para o site Político.
“Ver um magnata corporativo como salvador é uma piada”, ele escreveria depois. “Porque as soluções que o próprio Trump propõe mostram que ele não entende o que é um regime inteligente de comércio.”
Em suas justificativas, a Casa Branca usou até mesmo post no X, o antigo Twitter, em que Janet Yellen, secretária do Tesouro na administração Joe Biden, justifica taxação à importação chinesa.
Mas ela disse que a atual estratégia comercial de Trump “prejudica os Estados Unidos, os nossos vizinhos e a economia global. O que essas tarifas ameaçam fazer é causar recessão nos Estados Unidos por reduzir investimento”, opinou, em evento no final de março na UNSW Business School em Sydney, na Austrália.
A queixa comum de pesquisadores e economistas é sobre como seus estudos foram usados ou interpretados pela equipe de Trump.
“O modelo que usei no meu texto e o utilizado por eles são separados por dois mundos. As tarifas de Trump são uma besteira que vão levar o mundo a uma recessão. Se eu estou certo de alguma coisa neste momento é que o mundo está no caminho de uma recessão”, disse, ao diário britânico The Times o espanhol Pau Pujolas, professor do Departamento de Economia da Universidade McMaster, também nos EUA.
Ao lado de Jack Rossbach, ele escreveu “Déficits comerciais com guerras comerciais”, publicado no site SSRN no ano passado. Também foi citado pelo governo Trump na justificativa de cálculos para as tarifas.
Outros, como o pesquisador argentino Alberto Cavallo, foram às redes sociais questionar a interpretação do seus trabalhos no tarifaço.
“Não está totalmente claro como eles usaram nossas descobertas. Com base em nossa pesquisa, a elasticidade dos preços de importação em relação às tarifas está mais próxima de 1. Se esse número fosse usado, em vez de 0,25, as tarifas recíprocas implícitas seriam cerca de quatro vezes menores”, postou ele no X, antigo Twitter.
Cavallo, filho do ex-ministro da Economia da Argentina, Domingo Cavallo, escreveu artigo em 2021, também citado pela Casa Branca.
Em diferentes publicações oficiais, o governo Trump também buscou citações elogiosas, fez críticas à mídia e mencionou estudos protecionistas. Um dos autores mais lembrados foi Jeff Ferry, economista-chefe da CPA (Coalizão por uma América Próspera), entidade conservadora aliada de primeira hora da candidatura republicana.
A Folha pediu entrevista com Ferry por meio da assessoria da CPA, mas não obteve resposta.
Para pesquisadores usados como fonte pelo governo, como Soderbery, foram dias tão caóticos até agora no segundo mandato de Donald Trump que não há como determinar onde ele quer chegar.
“É difícil avaliar uma política de comércio quando um objetivo claro não está determinado”, finaliza.