Donald Trump, ao discursar no Congresso americano, anunciou um amplo pacote de tarifas que atinge parceiros como Canadá, México e Brasil, até rivais econômicos como a China. O argumento oficial seria alcançar uma “reciprocidade tarifária”, punindo países que supostamente teriam se aproveitado de acordos anteriores. Para alguns a ideia soa atraente no curto prazo. Porém, no longo, há altas chances de inflação e queda de competitividade na indústria americana.
Há algumas semanas, brinquei com amigos americanos que eles teriam uma amostra grátis do Brasil: altas tarifas e inflação. Afinal, nós, brasileiros, conhecemos bem o peso de um longo histórico de protecionismo que encarece tudo e sufoca o crescimento. Agora, parece que os Estados Unidos podem experimentar essa realidade de perto.
Essa nova conta sobrecarrega as famílias americanas já pressionadas por um cenário global de inflação. Ao mesmo tempo, o Brasil foi citado como outro alvo de tarifas, provocando apreensão entre exportadores e analistas que observam o possível encolhimento das trocas internacionais.
A retórica de Trump também ressuscita um nacionalismo econômico que pode desencadear retaliações de diversos parceiros. Ninguém sai ileso quando há uma escalada de barreiras: maior custo de insumos, contração no investimento e insegurança no planejamento produtivo. Não por acaso, em seu discurso, o presidente evitou mencionar as consequências mais amplas dessa guinada protecionista. Fez trocadilhos para prometer que tornará a América “acessível novamente”, mas culpou a gestão anterior pela inflação, responsabilizando Joe Biden pela disparada nos preços.
O debate sobre tarifas não é novo e já foi analisado em diversos estudos. Conforme o artigo de Ralph Ossa publicado em 2014, guerras comerciais podem provocar saltos nas alíquotas mais de 10 vezes acima do ideal, derrubando o bem-estar global em escala significativa. Isso ocorre porque, ao buscarem ganhos imediatos, as nações se veem em uma espiral de retaliações que freia o comércio e eleva custos. Alguns setores internos podem se beneficiar por um curto período, mas a maioria dos agentes econômicos e os consumidores sofrem com a perda de competitividade e os altos preços.
O mundo de hoje tem cadeias globais de valor integradas, e qualquer ruptura gera impactos dispersos. Companhias dependem de insumos importados a preços competitivos para manter a produção. Ao encarecer as importações, cria-se um efeito dominó que atravessa fronteiras e se reflete nos índices de inflação.
Na ânsia de defender a indústria doméstica, Washington pode, sem planejar, repetir erros de confrontos comerciais do passado, quando retaliações cruzadas agravaram crises financeiras e deixaram o consumidor em segundo plano. O fenômeno tende a se repetir toda vez que governos buscam soluções simplistas para desafios complexos de produtividade.
É preciso, portanto, estar atento ao aviso dado pelo estudo de Ossa: ao elevar tarifas, países frequentemente miram ganhos de curto prazo, mas acabam fomentando um jogo em que todos saem com perdas líquidas. Se a meta de Trump é “reconstruir” a economia americana, não faz sentido confiar em políticas que levam ao protecionismo mal sucedido, já vimos por aqui como essa estratégia não funciona.
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