Os conceitos de fluxo e de estoque são intuitivos para quem administra uma simples conta bancária. Se o fluxo de entrada (recebimentos) é maior que o de saída (pagamentos), o saldo da conta cresce. E vice-versa.
Os engenheiros chamam de equação da continuidade esse mesmo conceito quando aplicado aos reservatórios de regularização dos rios, que surgem com a construção de barragens. Quanto maior for a variabilidade dos fluxos, tanto de entrada quanto de saída, maior terá de ser o volume do reservatório.
Assim como a formiguinha sabia que tinha que armazenar suprimentos durante a época de fartura para uso durante a escassez, a humanidade aprendeu a estocar água no período das cheias para uso durante as estiagens. A água armazenada em reservatórios de grande porte constitui manancial para abastecer as cidades, irrigar as plantações e produzir eletricidade. Mas nem tudo são flores.
A construção da barragem e o posterior enchimento do reservatório causam óbvios impactos locais. Os afetados, direta ou indiretamente (pessoas forçadas a se mudar ou as que militam em causas ambientais), se mobilizam contrariamente à obra. Enfatizam as mazelas decorrentes da construção, que certamente existem. Mas omitem as mazelas decorrentes da não construção, que, dependendo do fenômeno sob análise (por exemplo, a emissão de gases de efeito estufa), ocorrem em escalas geográficas de maior dimensão. Não apenas na escala local.
Como diz o ditado popular, o que os olhos não veem o coração não sente. Por isso, durante as últimas décadas tem prevalecido o olhar local. Ou seja, pouquíssimos reservatórios de regularização têm sido construídos no Brasil. Porém, creio que a maré mudará quando as pessoas forem tomando consciência de que tão importante quanto diminuir a emissão de gases de efeito estufa é realizar obras de adaptação às mudanças climáticas. Obras que aumentem a resiliência à crescente variabilidade hidrológica, que tem causado secas e cheias cada vez mais frequentes e intensas, colocando em risco tanto os sistemas de abastecimento de água quanto os de energia elétrica.
As usinas hidrelétricas com reservatório ainda são necessárias, mesmo com o aumento da geração de eletricidade por fontes solar e eólica, porque, quando passa uma nuvem ou quando o vento para de soprar, é preciso aumentar instantaneamente a geração das fontes “despacháveis”. Isto é, das fontes que têm condições de gerar quando acionadas.
As usinas hidrelétricas —tanto as convencionais quanto as reversíveis— conseguem evoluir, quando acionadas, do repouso para plena carga em poucos segundos e utilizam um “combustível renovável” (a água). As termelétricas movidas a gás natural também são despacháveis, mas emitem gases de efeito estufa (embora a uma taxa inferior à das usinas movidas a carvão).
A preocupação com a segurança de suprimento indica que é preciso eliminar o bloqueio ambiental e cultural que impede a construção de usinas hidrelétricas com reservatórios. Se essas usinas não tivessem sido construídas décadas atrás, o Brasil não seria o campeão que é no quesito participação de renováveis na matriz elétrica.
Olhando para a frente, temos que ter maturidade de escolher o que é melhor para o país, sem cair nos extremos do liberou geral ou do veto total.
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