O sistema de bandeiras tarifárias na conta de luz, que permite repassar mensalmente aos consumidores os maiores custos do país com a geração de energia, completa dez anos de implementação em 2025. Apesar de ser interpretado como um avanço relevante, o mecanismo passou a ser visto nos últimos anos pelo setor como ultrapassado e é alvo de cobranças para que seja aperfeiçoado ou até mesmo substituído.
O mecanismo atual faz com que preços maiores para gerar energia, sobretudo pelo menor volume de água nas hidrelétricas, sejam transmitidos de forma mais imediata à famílias para que elas, informadas do maior custo, consumam de maneira mais consciente.
Antes, o repasse era feito de maneira defasada no reajuste anual das tarifas –o que poderia, sem uma moderação no uso da energia, impulsionar ainda mais o acerto de contas.
O responsável por escolher a bandeira tarifária mensalmente é a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). É aplicada uma cobrança a depender da cor (verde, amarela, vermelha patamar 1 ou vermelha patamar 2).
A definição utiliza diferentes variáveis, sendo a principal o PLD (Preço de Liquidação de Diferenças) –indicador que leva em conta o valor da geração de energia e é influenciado principalmente pelas condições dos reservatórios das hidrelétricas e pela consequente necessidade de acionamento de termoelétricas (ou seja, menos água significa mais custos).
Paulo Pedrosa, presidente da Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres), afirma que em períodos de seca, o custo antigamente era apenas “anotado” e só ia para a conta do consumidor no exercício seguinte. “Muitas vezes a energia estava cara e o consumidor estava tranquilo. Continuava consumindo e só depois recebia a conta mais cara”, diz.
Apesar do avanço, o mecanismo das bandeiras não leva em conta um aspecto que se tornou mais evidente nos últimos anos no país: a variação de preço de geração por faixas horárias. Com a expansão significativa das usinas solares no país, a energia ficou mais abundante e barata durante o dia.
Quando anoitece, outros tipos de fontes mais caras (como as termelétricas) são acionadas para atender à demanda. Como resultado, consumir energia de dia é mais econômico para o país –e no começo da noite, por exemplo, mais caro.
Pedrosa defende que a flutuação de preço seja transmitida ao consumidor por por hora. “A gente deveria dar mais sinal econômico para o preço da energia variar mais, inclusive ao longo do dia. Para que as donas de casa e os donos de casa usem máquina de lavar no pico da energia solar, quando sobra energia no Brasil”.
“Às 16h o custo da energia deveria ser zero, e às 18h pode passar de R$ 1.500 o MWh [megawatt-hora]. O sinal econômico do preço tem que ser do conhecimento dos consumidores e eles têm que reagir [adaptando o comportamento]”.
Para Pedrosa, isso vai permitir no futuro que o consumidor use até mesmo baterias para aproveitar as flutuações e criar um estoque pessoal de energia barata. “Aí ele vai andar de carro [a bateria] de graça, porque vai abastecer um tanque à tarde e vender depois para o sistema. Isso vai ajudar o setor a ser mais inteligente”, diz.
Segundo ele, grande parte do mundo já adota o sistema com base em horários. “Nos Estados Unidos é assim. Na Europa inteira. Na Austrália”, diz.
Luiz Barroso, diretor-presidente da empresa de consultoria em energia PSR, concorda com a ideia e diz que o valor das bandeiras tarifárias é definido com antecedência e sem necessariamente refletir a realidade. Para ele, é preciso aprimorar o mecanismo para que ele se ligue de forma mais dinâmica aos custos e também ao tamanho da demanda.
“As bandeiras podem evoluir para um sistema que combine tarifação dinâmica, com preços que variam conforme a oferta e a demanda ao longo de dias de uma semana. Com sinalização por horário e com preços que variam conforme a oferta e a demanda ao longo de um dia”, diz.
Outras associações, como a Abrage (Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica), também defendem mudanças. “Atualmente, os modelos usados para otimizar a operação do sistema e formar os preços não refletem plenamente a nova realidade do setor, resultando em ineficiências na alocação de recursos e na sinalização econômica”, afirma Marisete Pereira, presidente-executiva da entidade.
Atualmente, apenas o mercado livre –onde estão indústrias e grandes comércios, como shopping centers– têm acesso a cobranças diferentes por faixas horárias. Essas empresas podem, inclusive, ser remuneradas caso adotem um programa de redução de consumo em determinados momentos do dia.
Para o chamado mercado cativo, onde estão os clientes residenciais, o mais próximo das cobranças dinâmicas por hora foi a criação da Tarifa Branca por parte da Aneel em 2018 –que oferece preço mais baixo ao cliente que aderir ao programa e consumir fora do horário de pico da demanda.
Segundo técnicos do poder público ouvidos pela Folha, no entanto, a medida buscou mais tirar o consumo do fim da tarde do que oferecer um cardápio de tarifas horárias para o consumidor. Isso, somado ao baixo preço de desconto, faz a alternativa ser pouco conhecida até mesmo entre especialistas do setor.
Atualmente, a Aneel acompanha ao menos três testes conduzidos por distribuidoras sobre modelos de cobrança diferenciada por faixa horária. Uma das dificuldades já observadas é a necessidade de troca de medidores nas residências, já que os atuais registram apenas o consumo total (não por hora) –o que tende a gerar mais um custo para as famílias.
Também há dúvidas se a troca do modelo vai gerar uma resposta tão significativa dos consumidores. Por um lado, há a constatação de que a demanda por energia é em parte inelástica (ou seja, muda pouco mesmo com mudanças de preço). Por outro, aparentes mudanças em perfis de consumo nos últimos anos podem questionar essa lógica –por exemplo, a significativa expansão do uso de carros elétricos no Brasil e o interesse de motoristas em economizar ao recarregar o veículo.
Técnicos reconhecem que as discussões sobre cobranças diferenciadas por horário, tanto no governo como na Aneel, não têm a celeridade que o setor demanda. Por isso, uma mudança tão significativa no modelo ainda pode demorar anos.
Mesmo assim, também existe no poder público a visão de que pode ser necessário acelerar mudanças devido ao expressivo crescimento da geração solar no país –que vem causando, inclusive, excesso de oferta e potencias desequilíbrios no sistema em determinados momentos do dia. Por isso, há o diagnóstico de que a nova realidade pode se impor e forçar uma transformação do sistema antes do esperado.