A Caixa Econômica Federal contratou uma empresa que tem entre seus funcionários Gilberto Occhi, ex-presidente do banco (2016-2018) e político ligado à cúpula do PP. O comando atual da instituição, sob influência do partido, também indicou Occhi para um assento no conselho da subsidiária Caixa Cartões Pré-Pagos.
Ele representou a Cactvs, empresa credenciada pela Caixa para operar seu microcrédito rural, ao longo de 2024, nas negociações com o banco para fechar o contrato. Oficialmente, ele é assessor técnico da companhia.
Occhi foi escolhido para o conselho da subsidiária da Caixa em dezembro de 2023, quando o banco já era presidido por Carlos Antonio Vieira Fernandes, nome indicado por um grupo de partidos sob a liderança do deputado Arthur Lira (PP-AL), então presidente da Câmara.
A Caixa informou que Occhi deixou o posto no conselho, mas não quis especificar quando isso teria ocorrido. Documentos registrados na Junta Comercial de São Paulo indicam que a saída dele da posição só foi oficializada depois que a Folha procurou o banco para comentar o caso.
O posto no conselho é remunerado, com o valor de R$ 20 mil por participação em reunião.
Occhi foi questionado pela Folha sobre um possível conflito de interesse ao negociar o contrato de uma empresa privada com o banco público e, ao mesmo tempo, ser indicado pela Caixa para um conselho. Também foi questionado sobre sua ligação com o atual presidente da instituição financeira. Ele não respondeu.
Procurada, a Caixa disse que “adota um modelo de negócios que permite a operacionalização de linhas de Microcrédito Urbano e Rural. A estratégia prevê o credenciamento de empresas por meio de um chamamento público, seguindo critérios essencialmente técnicos”. Além da Cactvs, outra empresa, a Conexsus, também foi credenciada para operar a linha.
A Caixa criou em julho do ano passado um grupo de trabalho para definir o modelo da operação de microcrédito rural. Marcos Antonio Vieira Fernandes, sobrinho do presidente da Caixa e funcionário de carreira do banco desde 2009, participou do grupo. Na época, ele era superintendente na subsidiária de cartões da instituição financeira.
Em agosto de 2024, Marcos Antonio foi nomeado secretário de Relações Federativas da prefeitura de Maceió (AL). O prefeito da capital alagoana, João Henrique Caldas, é aliado de Lira.
Procurado, Lira disse que “não tem nada a ver com as indicações na prefeitura de Maceió e nem com contratações da Cactvs”.
Marcos Antonio disse que participou “das discussões iniciais do grupo de trabalho criado para estabelecer o modelo de microcrédito do banco”. “Minha nomeação para atuar na Prefeitura de Maceió tem caráter estritamente técnico”, acrescentou.
Com o modelo de contratação pronto, a Caixa fez uma consulta pública para que empresas interessadas pudessem apresentar propostas e planos de trabalho. A Cactvs participou da consulta.
Em seguida, o banco abriu um edital de credenciamento no qual a Cactvs foi habilitada. Ela começou a operar em 9 de dezembro de 2024. Desde então, cerca de 2.500 créditos foram fornecidos, informou a companhia. Outras empresas ainda podem se credenciar na Caixa para operar o microcrédito rural.
Questionada sobre a remuneração da empresa pelo serviço prestado ao banco público, a Cactvs disse que é variável. A empresa terá direito a 2% do valor do contrato na contratação, 2,67% ao ano sobre o saldo médio e outros 2,67% sobre o valor retornado. A Caixa não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre essa remuneração.
Os fundos para os empréstimos virão do FCO (Fundo Constitucional do Centro-Oeste) e do FNO (Fundo Constitucional de Financiamento do Norte), que ficarão com o risco de inadimplência. Já o risco operacional ou de fraude é da Cactvs.
A Cactvs está proibida de operar com o BNB (Banco do Nordeste) até março deste ano. De acordo com apuração interna do banco, a empresa falsificou um documento apresentado na concorrência para operar o programa de microcrédito rural do BNB, o maior do país e que serviu de modelo para a Caixa.
A punição levou o Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) a pedir a suspensão da análise da parceria com a Cactvs até que sua legalidade seja analisada, mas o caso foi rejeitado pelo TCU.
Occhi já foi indicado pelo PP para diversos cargos no governo federal, desde o primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Em 2014, ele foi ministro das Cidades, sucedendo no cargo o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que deixou o posto para concorrer nas eleições daquele ano.
Em janeiro de 2015, Occhi foi para o Ministério da Integração Nacional. Seu secretário-executivo foi o atual presidente da Caixa, Carlos Antônio Vieira Fernandes.
Com o impeachment da ex-presidente, Occhi foi o escolhido do PP para comandar a Caixa Econômica Federal, onde ficou até o início de abril de 2018. De lá, foi para o Ministério da Saúde, substituir Ricardo Barros (PP-PR), que deixou o posto para concorrer nas eleições de 2018.
Vieira assumiu o comando da Caixa em novembro de 2023 após indicação de Lira em uma busca do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de conseguir votos do centrão no Congresso Nacional. O nome de Occhi chegou a ser cogitado para a presidência do banco.