Em meio a abraços, beijos e exclamações de “quem é vivo sempre aparece”, um grupo se reúne em uma sexta-feira à noite na praça Visconde de Sousa Fontes, na Mooca, zona leste de São Paulo. As pessoas se cumprimentam e rapidamente partem para uma caminhada de uma hora e meia pelo bairro.
Durante o trajeto, de sete quilômetros, a conversa não para —exceto nas ladeiras ou quando alguém alerta para carros ou buracos nas ruas. E haja papo para colocar em dia, já que este é o terceiro encontro da semana.
O Rapadura da Mooca é um grupo que se reúne às segundas, quartas e sextas-feiras às 19h30 para fazer caminhada, a atividade física mais comum entre os brasileiros, de acordo com o Datafolha.
A prática ajuda na aptidão cardiorrespiratória, na saúde vascular e está associada a longevidade, melhor funcionalidade física e cognitiva, menor risco de doenças crônicas e de depressão, explica Milene Ferreira, gerente médica de reabilitação do Hospital Israelita Albert Einstein.
A saúde mental foi o ponto de partida para a criação do grupo —e é o que mantém ele ativo até hoje. O fundador, Moisés Antônio Naif, 55, começou a fazer atividade física como forma de combater a depressão há dez anos e passou a reunir amigos nessa empreitada.
“Tem esse apelo de socializar. É uma forma de sair de casa, de fazer atividade física. É nítido o quanto ajudou quem tem depressão e transformou a vida de quem participa”, relata.
A caminhada, em geral, é um exercício de baixa intensidade. “Os benefícios à saúde são, de certa forma, dependentes da intensidade. Exercícios de intensidade mais alta têm benefícios adicionais”, explica Guilherme Artioli, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador da Faculdade de Medicina da USP.
O ideal é complementar a caminhada com treinos de força, como musculação, crossfit, pilates ou funcional. As diretrizes da OMS (Organização Mundial da Saúde) recomendam pelo menos dois dias de fortalecimento muscular por semana.
Para idosos, também é indicado combinar práticas aeróbicas e de força com exercícios que trabalham o equilíbrio. Mas especialistas reforçam: caso não dê para fazer tudo ou você precise de algo para sair do sedentarismo, a caminhada já promove muitos benefícios.
“A gente trabalha com o que é ideal e o que é possível. Se a caminhada é o que você consegue fazer, faça”, diz Átila Alexandre Trapé, professor na Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFE-RP) da USP (Universidade de São Paulo) e membro da Sbafs (Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde)
Intensificar a caminhada é uma estratégia para quem não consegue diversificar tanto os treinos. Veja dicas dos especialistas:
1. Aumente a quilometragem
A baixa intensidade tem aspectos positivos: mais gente consegue fazer e dá para prolongar a prática.
Correr, por exemplo, já exige mais preparo. “Talvez você corra por um tempo muito menor do que conseguiria caminhar. Então, dá para aumentar o volume da caminhada com muito mais facilidade do que em outras modalidades de exercício aeróbico”, diz Artioli.
É por meio de desafios que o Rapadura da Mooca faz jus ao ditado que originou o nome do grupo: é doce, mas não é mole, não. Além dos treinos durante a semana, eles apostam em caminhadas longas aos domingos e exploram diferentes pontos turísticos da cidade de São Paulo.
Um dos percursos mais desafiadores foi até o autódromo de Interlagos, cerca de 23 quilômetros. Eles também já caminharam até três estádios de futebol da capital, Neoquímica Arena, Allianz Parque e Morumbis, e até o aeroporto de Guarulhos, na cidade vizinha.
Mas nem é preciso ir tão longe. Conhecer locais diferentes no bairro em que mora pode funcionar como um incentivo para esticar a distância do percurso.
2. Aumente a inclinação e velocidade
Dá para explorar algumas possibilidades, como andar na subida ou alternar caminhadas mais rápidas com um ritmo mais leve, explica Trapé. “Isso traz um certo tipo de sobrecarga, que é um estímulo para promover mais adaptações do organismo”, diz o professor.
No Rapadura, subidas e escadas fazem parte dos treinos pelo menos uma vez por semana. Eles optam por distâncias mais curtas, mas se desafiam nas ladeiras e na escadaria da rua Corumbaíba.
“Eu falo que é o treino ‘bumbum na nuca’. Fortalece o glúteo, os posteriores [de coxa], principalmente para quem não consegue fazer musculação”, explica a consultora Luciana Fraga, 54, que participa do grupo há sete anos.
3. Busque incentivos externos
O aspecto social da caminhada pode ser um grande motivador para ter regularidade na prática.
A atividade pode tornar-se um momento de encontro entre amigos e de criação de novos laços. “Isso facilita a aderência ao exercício físico. Se a pessoa tiver essa oportunidade, ela tem que agarrar”, afirma Artioli.
Tomar um café da manhã na padaria depois do treino ou, no caso do Rapadura da Mooca, comer uma esfirra na sexta à noite podem ser grandes incentivos para sair de casa nos dias de preguiça.
“É um grupo que se originou com a caminhada, mas não ficou só nisso. Os laços vão crescendo. Tem gente que viaja junto, que celebra aniversário, que faz happy hour”, relata a aposentada Elaine Cardoso, 56.
No Rapadura, ninguém é obrigado a estar presente em todo treino. “Não forçamos nada, não fazemos inscrição. Vem quem quer. […] Já tivemos treino com mais de cem pessoas, mas se não tiver dez [pessoas], vamos em oito, em cinco”, explica o fundador.
O baixo custo é outro atrativo da caminhada. Para começar, basta um tênis e uma roupa confortável.
O acesso, porém, depende dos equipamentos públicos. A percepção do ambiente, que inclui segurança e estrutura do local, é importante para viabilizar a caminhada, de acordo com Trapé. Ter à disposição praças e parques públicos bem cuidados torna a prática mais acessível.
“Uma pessoa que mora em uma região mais periférica, que não tem calçada, que não tem iluminação, que sofre com questões de violência, talvez se sinta menos disposta a praticar”, diz o membro da Sbafs.
Para aqueles que querem adotá-la na rotina, a principal dica dos especialistas é: comece, mesmo que aos poucos.
“Para conquistar um engajamento em um estilo de vida saudável, é preciso dar o primeiro passo”, diz Milene Ferreira, do Hospital Israelita Albert Einstein.