Deputados estaduais carimbaram R$ 11,9 bilhões dos orçamentos desses entes para emendas parlamentares em 2025, em uma mostra de que a prática, já consolidada no plano federal, também se proliferou nos governos regionais.
Das 27 unidades da federação, 24 preveem uma reserva fixa para a distribuição dessas verbas, a maior parte delas garantida na Constituição estadual. Vinte deles também autorizam as transferências especiais, batizadas de “emendas Pix”, que asseguram um aporte direto de recursos nos cofres municipais e estão sujeitas a menor controle e transparência.
A Folha mapeou as regras e o volume das emendas a partir das Constituições e das leis orçamentárias de cada uma das 27 unidades da federação.
O campeão em valores absolutos é Minas Gerais, que também é um dos mais endividados e atuou pela aprovação de um programa de socorro federal para obter alívio financeiro. O orçamento aprovado pela Assembleia Legislativa destina R$ 2,17 bilhões para emendas neste ano, quase o mesmo valor (R$ 2,45 bilhões) pago à União em serviço da dívida em 2024, segundo dados do Tesouro Nacional.
As emendas individuais foram introduzidas na Constituição do estado em 2018 e ampliadas em 2023. Houve também a criação de emendas de bancada em 2019, com valor fixo por parlamentar. O governo mineiro diz adotar “medidas gerais de contenção de gastos e otimização de investimentos”, mas não respondeu sobre as emendas.
Já o Distrito Federal lidera em valores por parlamentar. A reserva total de R$ 724,2 milhões representa, em média, R$ 30,2 milhões por deputado, a maior do país. O governo do DF não se manifestou.
Outros três estados (Mato Grosso, Minas Gerais e Amazonas) asseguram mais de R$ 20 milhões por deputado estadual. Outros nove preveem uma reserva entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões por parlamentar.
Mesmo os três estados que não contam com uma regra específica para emendas (Espírito Santo, Paraná e Rio Grande do Sul) destinam uma fatia de seus orçamentos para indicações dos deputados.
“É uma praga que se disseminou”, afirma Bruno Carazza, professor associado da Fundação Dom Cabral. Segundo ele, os Legislativos estaduais estão replicando o modelo que, no Congresso Nacional, tem dado um “excelente retorno” para a classe política, com elevadas taxas de reeleição nos últimos pleitos.
“Estamos desvirtuando o nosso sistema orçamentário com um sistema de aplicação de recursos sem critério, sem atender às reais necessidades da população, sem transparência, tudo isso em função de ganhos para os parlamentares”, critica.
Nos municípios, embora não haja um levantamento formal sobre o tema, a prática também ganhou espaço, afirma o presidente da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), Paulo Ziulkoski. “Isso é uma realidade.”
O pesquisador Hélio Tollini, consultor de orçamento aposentado da Câmara dos Deputados e estudioso do tema, descreve a situação como “lamentável”.
“A gente deixa de alocar recursos por intermédio das políticas públicas definidas pelo Poder Executivo, de acordo com a legislação aprovada pelo Poder Legislativo, e passa a fazer a alocação de baixo para cima, baseado no suposto conhecimento que os parlamentares têm das necessidades locais. Conhecimento esse que a gente sabe que não tem como ser verdadeiro, porque não tem como um parlamentar conhecer todas as necessidades de todos os municípios da área de atuação dele”, afirma.
Segundo ele, o modelo adotado no Brasil é disfuncional ao garantir uma reserva fixa já no envio da proposta orçamentária. Isso poupa o parlamentar do ônus de escolher de onde cortar para financiar as emendas.
“O nosso modelo dá poder máximo ao parlamentar, não ao Parlamento. O parlamentar, individualmente, passa a ser ‘dono’ de volumes significativos de recursos públicos. Não tem paralelo no mundo”, diz Tollini.
No âmbito federal, as emendas somam R$ 50,4 bilhões, distribuídas entre verbas individuais, de bancada e de comissão. Elas ajudam a irrigar os cofres estaduais e municipais por meio de convênios e transferências diretas.
As emendas Pix vêm ganhando espaço nesse bolo. Em 2023, a União repassou R$ 8,8 bilhões por meio da modalidade, sendo R$ 7,1 bilhões do Orçamento do próprio ano e R$ 1,7 bilhão em despesas de anos anteriores. Os principais beneficiários são as prefeituras, embora haja também aportes para estados.
Um levantamento da FNP (Frente Nacional dos Prefeitos) mostra, no entanto, que a distribuição de recursos federais é desigual. Há concentração de valores em pequenos municípios, sobretudo aqueles com até 5 mil habitantes.
Em outro recorte, a desigualdade fica mais evidente: prefeituras entre as 20% mais ricas (conforme a receita per capita) receberam R$ 395 em emendas Pix por habitante entre 2020 e 2023, quase o dobro dos R$ 233 por habitante repassados aos municípios entre os 20% mais pobres.
A proliferação das emendas estaduais garante um montante adicional sob controle de parlamentares no Brasil.
Dezenove estados preveem reservas obrigatórias apenas para emendas individuais. Em geral, o valor é uma proporção da RCL (receita corrente líquida) ou de outra medida de arrecadação. É comum carimbar uma parcela para ações na saúde, mas há também vinculações para educação ou investimentos.
Outros quatro (Amazonas, Minas Gerais, Mato Grosso e Roraima) permitem também as emendas de bancada regional ou bloco partidário.
Há ainda o caso de Rondônia, que não só garante emendas individuais e de bancada, mas já incorporou até mesmo as emendas de comissão, recém-popularizadas no Congresso Nacional. A modalidade foi criada em dezembro de 2024, mas ainda não há valores reservados para ela.
Entre as 15 unidades da federação que responderam os questionamentos da reportagem, a percepção sobre as emendas é variada.
Bahia, Santa Catarina, Alagoas e Goiás destacam aspectos positivos dessas verbas. Para eles, as emendas não comprometem a qualidade dos gastos.
“As emendas impositivas têm, em geral, um caráter de complementação às despesas finalísticas, beneficiando diretamente a população”, diz o governo goiano.
Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Maranhão citam tentativas de alinhar as indicações ao planejamento de políticas públicas, inclusive com o lançamento de cadernos de projetos. No Ceará, o Programa de Cooperação Federativa conta com um conselho gestor, que avalia a compatibilidade das propostas.
Outros estados expõem as dificuldades geradas pelo modelo. “Como acontece com qualquer vinculação, o efeito é de ampliação da rigidez orçamentária”, diz o governo de Sergipe.
O governo de Rondônia —estado que conta até com emendas de comissão— faz as críticas mais duras e afirma expressamente que o modelo não é o mais eficiente.
“Embora as emendas atendam a interesses legítimos, permitindo que os parlamentares destinem verbas a necessidades específicas de suas bases eleitorais, esse modelo pode gerar uma fragmentação da atuação do Estado. Em vez de direcionar recursos para ações coordenadas e de maior impacto, o orçamento acaba sendo pulverizado em pequenos projetos e iniciativas que, isoladamente, podem ter eficácia reduzida”, diz.