O impacto do filme Ainda Estou Aqui na Confeitaria Manon, no centro do Rio de Janeiro, vai além das telas. Desde que a produção dirigida por Walter Salles foi indicada ao Oscar, o movimento na casa fundada há mais de 80 anos disparou. O faturamento subiu 20% de janeiro a março, em comparação ao mesmo período de anos anteriores, e a projeção internacional transformou o espaço em um ponto de visitação.
Diante do aumento da demanda, a confeitaria já planeja abrir no próximo semestre uma nova unidade no centro do Rio, em um formato menor, mas mantendo a tradição. Outra novidade é o lançamento de um café especial em homenagem ao filme, batizado de Ainda Estamos Aqui. A bebida, gelada e com sabor de pistache, chega ao cardápio nesta semana.
A confeitaria aparece em duas cenas do longa, que adapta a história real da família do ex-deputado Rubens Paiva e a mulher Eunice Paiva. A mesa onde os personagens se reúnem virou um dos principais atrativos do local.
“Os clientes querem sentar no exato lugar da filmagem e tirar fotos. Providenciei até uma plaquinha para eles usarem nos registros”, diz Fabiula Gonzalez Lopez, 55, sócia do estabelecimento e filha do proprietário Benito Gonzalez Lopez, 91.
Segundo Fabiula, além do fluxo maior de visitantes, o ticket médio também aumentou, e o crescimento levou a Manon a reforçar a equipe. “Já contratamos mais funcionários para atender à nova demanda, incluindo reforços na confeitaria, na cozinha e na limpeza”, diz a sócia.
“A gente já estava acostumado a servir de locação para novelas e filmes, mas nada se compara ao efeito Oscar. Agora temos turistas de todos os lugares do mundo, do Japão à Zâmbia. O aumento de clientes foi significativo, e os guias de turismo já incluem a Manon no roteiro ao lado da Confeitaria Colombo”, afirma Fabiula.
O estabelecimento, que hoje tem mais de 50 funcionários, mantém a produção artesanal como marca registrada. “Pães, torradas, doces, salgados e pratos do restaurante, são produção própria. Nunca compramos nada pronto na rua”, afirma.
Localizada na rua do Ouvidor, em um prédio de 1920 tombado pela prefeitura do Rio de Janeiro, a Confeitaria Manon tem um passado tão rico quanto os doces que serve. Fundada por portugueses há mais de 80 anos, foi adquirida na década de 1960 por um grupo de espanhóis, entre eles Benito Gonzalez Lopez, que chegou ao Brasil fugindo da miséria após a Guerra Civil Espanhola.
“Meu pai veio tentar a vida aqui depois da guerra. Trabalhou anos sem receber nada, só para pagar a parte dele na sociedade. Aos poucos, ele comprou as partes dos outros sócios, até se tornar o único dono”, conta Fabiula, que divide a administração da casa com a carreira de médica. “Sou funcionária pública do município, também tenho consultório e estou aqui todos os dias. Domingo é o único dia sem atendimento, mas é quando fazemos manutenção”, explica.
A decoração do espaço mantém a identidade original, inspirada no navio português Serpa Pinto. Algumas mudanças estruturais estão nos planos, mas sem descaracterizar a essência do local. “Queremos modernizar algumas áreas, mas sem perder a característica que agora faz parte da história do cinema brasileiro”, diz.
No filme, a Manon foi adaptada para se parecer com a lanchonete Chaika, que era frequentada pela família Paiva e fechou as portas em 2012. Duas cenas importantes foram gravadas no local: uma delas retrata um almoço entre Rubens Paiva, a esposa Eunice e os filhos, e a outra mostra a família reunida após a prisão e desaparecimento do ex-deputado.
Segundo Fabiula, a movimentação na confeitaria ficou intensa com a vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro, na categoria de melhor atriz em filme de drama. Ela afirma acreditar que o sucesso no local não será passageiro e espera atrair cada vez mais visitantes. “Só hoje, na hora do almoço, já ouvi várias línguas sendo faladas aqui dentro. O Rio sempre foi uma cidade turística, mas agora estamos recebendo um fluxo muito diferente de visitantes”, diz.
Entre os itens mais vendidos da confeitaria está o madrilenho, pão de origem espanhola coberto com creme, açúcar de confeiteiro e goiabada. São cerca de 4.000 unidades vendidas por dia, ao preço de R$ 7,90 cada. Além dele, a Manon conta com um restaurante que serve pratos especiais para almoço e jantar, além de uma linha variada de doces e pães artesanais.
Manter um negócio tradicional por mais de 80 anos, em meio a crises econômicas e transformações urbanas, é um desafio que, segundo Fabiula, exige paixão. “Isso aqui é mais por amor do que pelo dinheiro. Meu pai conheceu minha mãe no balcão de salgadinhos da Manon, eles namoraram aqui, casaram e eu nasci nesse ambiente”, relembra.
Ela vê o reconhecimento trazido pelo Oscar como uma espécie de coroação. “Passamos por momentos muito difíceis, pandemia, incêndio, crises, e agora chegou esse momento especial. Isso aqui foi onde meu pai construiu a vida dele, onde bancou meus estudos, cresci e criei minha filha. A gente já viu de tudo aqui. Agora, temos o Oscar na nossa história”, diz.