Há pelo menos um mês que minha companhia constante é a série “Elementary”, um Sherlock Holmes moderno ambientado em Nova Iorque onde Lucy Liu faz uma divertida Dra. Joan Watson, ex-cirurgiã, agora detetive tão competente quanto seu parceiro.
O fato de que eu já havia visto anteriormente as sete temporadas, o passo lento sem correrias ou perseguições, mais os diálogos ricos fizeram a série excelente pano de fundo para me manter entretida durante as dezenas de horas que passei olhando fixamente para o computador juntando dados de uma dezena de fontes diferentes em uma única mega-tabela, que agora testa minhas hipóteses sobre evolução do tamanho de corpo e cérebro.
A coluna de hoje poderia ser sobre como a visão periférica, pobre em detalhes, ainda assim é amplamente suficiente para acompanhar uma história quando o que se diz é mais importante do que o que se vê. Também poderia ser como às vezes o trabalho do cientista é repetitivo, maçante e aparentemente sem fim, o que aliás serve como ótimo critério de seleção para quem tem futuro num laboratório. Mas o tema de hoje é outro.
Em toda investigação na série, Joan, Sherlock e o policial com quem eles trabalham só se dão por contentes quando um candidato a criminoso tem não só meios e oportunidade, mas também um motivo para cometer o crime.
Eu sei que é ficção, mas, neurocientificamente, a lógica procede.
O cérebro por natureza organiza ações no corpo que o circunda. Tudo começa com os meios: os circuitos que conectam neurônios e músculos, sem os quais não há ação possível. Se não existe conexão com os músculos que levantam as bordas da língua, por exemplo, não há como um cérebro fazer sua língua enrolar (é o meu caso). Quem não adquiriu os algoritmos mentais que somam e multiplicam números não tem como fazer as contas mais simples de cabeça. Da mesma forma, quem não sabe nenhuma linguagem de programação não tem como hackear um mainframe para roubar dados.
Ter os meios, contudo, de nada adianta sem haver oportunidade. Para o cérebro, oportunidade começa com tempo e energia, já que toda ação custa as duas coisas. Curiosamente, onde gastamos mais tempo e energia ao longo de nossas vidas é aprendendo, o que envolve moldar os circuitos do cérebro, transformando matéria-prima cheia de possibilidades, mas sem qualquer eficácia, em algo que tem os meios de agir. E mesmo já tendo adquiridos os meios, é preciso ter tempo e energia, as bases de toda oportunidade, para agir.
Ainda assim, ou talvez exatamente porque toda ação custa tempo e energia, um cérebro adulto não dá ponto sem nó: não age sem enxergar naquela ação algum retorno positivo, que em retrospecto é o que a gente chama de motivo para a ação. A qualificação “adulto” é importante, pois o cérebro infantil vive de fazer as coisas simplesmente porque pode: age primeiro e pensa depois, literalmente, juntando ação e consequência, que é aliás como o cérebro aprende tanto meios quanto motivos.
Mas um cérebro adulto? O corpo é bem maior e pesado, a inércia é grande, e para passar à ação é preciso uma expectativa de resultado que sirva de cenoura na ponta da varinha. E como crimes trazem por definição uma possibilidade real de punição, haja cenoura para motivar um criminoso —donde os roteiristas sempre mandarem os detetives atrás de quem mais lucraria com o crime.
É elementar, afinal, o cérebro. Mistério é só aquilo que a gente ainda não entendeu.
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