Geradoras de energia esperam enfrentar mais um ano de cortes elevados da produção de suas usinas eólicas e solares em função de restrições do sistema elétrico brasileiro, um problema que se agravou no ano passado e que exige uma solução de curto prazo para estancar perdas financeiras, afirmam executivos do setor.
Os cortes de geração, chamados tecnicamente de “curtailments”, ocorrem na atuação do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) por diferentes razões, como limitações no escoamento de energia pela rede de transmissão, necessidade de garantir confiabilidade do suprimento de energia ou consumo insuficiente para absorver a oferta de eletricidade em determinado momento.
Embora alguma restrição à geração eólica e solar seja natural, já que o ONS precisa manejar em tempo real diferentes fontes de energia e recursos, os níveis de corte alcançaram em 2024 patamares muito mais altos do que os vistos até então e também do que se previa na época de construção dos projetos.
Os cálculos de curtailment variam nos dados aferidos pelas usinas afetadas e pelo ONS, mas no setor considera-se uma média de 10% da geração cortada em 2024. A distribuição desses cortes, porém, é bastante desigual: há usinas com mais de 60% de restrição de geração, enquanto outras têm menos de 10% ou sequer são impactadas.
Nas usinas da CPFL Energia, os cortes ficam na faixa de 20%, levando a prejuízos de R$ 88 milhões no quarto trimestre do ano passado e de R$ 272 milhões no acumulado de 2024.
“E se nada acontecer este ano vai ser igual ou ainda maior, dado que a gente continua tendo aumento de geração intermitente, especialmente de geração distribuída (solar de pequeno porte) na rede. Então, o problema é urgente, ele precisa de uma solução de curtíssimo prazo”, avaliou o CEO da CPFL, Gustavo Estrella.
O discurso é semelhante ao de executivos de outras geradoras, como Engie Brasil Energia e Serena, que também indicaram recentemente um cenário de cortes ainda elevados para 2025.
“Estruturalmente, fisicamente, não tem como ser diferente. Você tem novas adições de transmissão (de energia) modestas, nada relevante no radar aqui”, afirmou o diretor financeiro e de RI da Engie Brasil Energia, Eduardo Takamori, em teleconferência na semana passada.
Já na Serena o problema levou a um impacto de 2% no Ebitda de 2024, que alcançou R$ 1,9 bilhão. A empresa afirmou que o orçamento para 2025 contempla os mesmos níveis de cortes de geração renovável de 2024, mas apontou que está trabalhando em “medidas mitigadoras”, como “adoção de medidas legais substanciais” para reduzir estruturalmente as restrições de produção.
Um relatório da consultoria Volt Robotics apontou que os prejuízos financeiros aos geradores ultrapassaram R$ 1,6 bilhão em 2024. Foram 400 mil horas de restrições à produção eólica e solar ao longo do ano, afetando 1.445 usinas, segundo o levantamento.
O maior volume de cortes de geração acontece em meio à rápida expansão das fontes solar e eólica no Brasil nos últimos anos, em velocidade superior à ampliação da rede de transmissão, o que impôs gargalos principalmente no Nordeste, em estados como Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia.
O ONS vem reforçando que as restrições ocorrem grande parte das vezes por associadas à confiabilidade, isto é, por questões de segurança, para evitar perturbações que possam afetar o atendimento aos consumidores de energia.
Algumas medidas técnicas já vêm sendo implementadas pelo operador para distribuir melhor os cortes entre usinas e evitar que poucos projetos sejam excessivamente penalizados.
“No entanto, estas medidas não se revelaram suficientes para evitar cortes consideráveis no Sistema Integrado Nacional (SIN) nos últimos meses de 2024, e é pouco provável que evitem elevados níveis de cortes até 2029, quando se espera a conclusão da linha de transmissão Graça-Aranha”, afirmou a Fitch Ratings em relatório sobre o tema.
O projeto mencionado compreende um bipolo em corrente contínua que levará energia do Nordeste aos centros de carga do Sudeste em construção pela chinesa State Grid, com investimentos de R$ 18 bilhões.
SOLUÇÕES NA MESA
Como solução de mais curto prazo, as geradoras tentam ampliar seus direitos a ressarcimentos, alegando que os cortes ocorrem em grande parte devido a eventos externos e sem relação com a performance direta das usinas.
Pelas regras atuais, são passíveis de reembolso apenas as restrições por “indisponibilidade externa”, quando há falha em equipamentos de terceiros, por determinado tempo, que afeta o escoamento da energia. Segundo as geradoras, por essa regra, menos de 2% dos cortes apurados estão sendo reembolsados.
As associações setoriais de energia eólica e solar travam uma disputa judicial sobre o tema com a agência reguladora Aneel, que recentemente conseguiu derrubar no STJ (Supremo Tribunal de Justiça) uma liminar favorável aos geradores nos pagamentos. Algumas empresas também estão entrando na Justiça com ações individuais.
O regulador vem se posicionando na Justiça contra a ampliação dos pagamentos principalmente por preocupações com os custos aos consumidores de energia, já que esses ressarcimentos são custeados por meio de encargo embutido na conta de luz.
Em paralelo, discussões em âmbito regulatório para mudar as regras de ressarcimento avançam lentamente, dificultadas por posições divergentes entre os diretores da Aneel.
Estrella, da CPFL, avaliou que houve um avanço neste ano com a abertura de um diálogo entre ONS, Aneel, Ministério de Minas e Energia e os agentes do setor para discutir “caminhos e alternativas” para o problema.
“A gente hoje tem um risco sistêmico, muito grande, no setor de geração renovável no Brasil… Por isso eu acho que tem que ser um tema de política pública. De como é que a gente mantém o setor sustentável, e também viabilizando investimentos novos que o país vai precisar em algum momento”, ressaltou.