Todo domingo à noite o programa em casa é assistir Largados e Pelados na TV. O mote do reality é largar os participantes como vieram ao mundo para sobreviver na natureza. Durante os 21 dias do programa, homens e mulheres comuns (mulheres sempre aguentam mais que os homens, diga-se de passagem) têm que atravessar rios com correntezas fortes, aprender a fazer fogo, comer insetos para não passar fome e montar abrigos com galhos e folhas para fugir de tempestades. Meu marido e minha filha amam. Eu, particularmente, nunca tinha entendido o rolê. Como alguém em sã consciência entra num reality onde os “vencedores” terminam com um milhão de picadas na bunda e literalmente uma mão na frente e outra atrás (o programa não tem prêmio)? Nos últimos meses, no entanto, comecei a ver sentido na ideia.
Assisto ao programa como uma espécie de treinamento para o futuro, ou pior: para o presente. Com as chuvas violentas como estão, é preciso estar preparado para atravessar uma inundação. Procurar abrigo na tempestade já é rotina do paulistano, e não duvido nada que, se a seca continuar assim, teremos que comer insetos para não passar fome. Minha angústia climática é diária, e tudo na minha rotina me leva a pensar no futuro desastroso que nos espera dobrando a esquina. Fui visitar uma amiga na maternidade e me peguei contando os bebês no berçário. Dali a 18 anos seriam mais nove carros emitindo carbono pelas ruas, nove pessoas gerando toneladas de lixo. Mas qual a alternativa? Deixar de ter filhos? Comprar uma composteira me parece tão eficiente quanto apagar um incêndio com squeeze.
Tentando buscar respostas, fui conversar com uma amiga diretora de uma famosa ONG que trabalha em defesa do meio ambiente. Ela me contou que, no ano passado, eles foram chamados para uma reunião com vários bilionários. A esperança era de que o foco desse encontro fosse traçar um plano de redução de carbono, substituição do uso de petróleo. Mas o objetivo dos Bezos e Zucks era outro: eles queriam saber, segundo os estudos científicos feitos pela ONG, quais eram os lugares mais seguros do planeta para construir seus bunkers. Eles sabem que, do jeito que anda a carruagem, ou melhor, a Ferrari, daqui a 50 anos, poucos lugares na Terra ainda serão habitáveis. E é lá que esses senhores querem construir seus abrigos gourmets, tomar uísque com as duas últimas pedrinhas de gelo da calota polar. Justo eles, que consomem mais carbono do que metade da população mundial.
Confesso que ouvir essa história me deu vontade de desistir. A humanidade falhou. Mas tenho uma filha pequena que merece ter futuro. Não vou entregar o destino dela assim, de mão beijada para um bando de homens frágeis, que ficam tentando se congelar para driblar o envelhecimento. Ricaços que explodem foguetes nos ares como se fossem meninos jogando rojão em festa junina. Homens alaranjados que só de laquê já fizeram crateras na camada de ozônio. Nós, os 99% do mundo vamos permitir que esses senhores patéticos consumam o nosso futuro usando canudinho, que aliás acaba de fazer o seu comeback nos Estados Unidos? Nem pensar. Não aceito ser largada e alagada. E pelada, só no Carnaval.