Um leitor mandou a seguinte pergunta à seção Ask the Therapist (Pergunte ao Terapeuta), do jornal The New York Times: Aos 60 e poucos anos, muitas vezes me sinto incomodado pelo arrependimento de algumas interações com meus três filhos quando pequenos. Durante a pré-adolescência e adolescência deles, eu perdia a paciência por causa de algo que agora reconheço como insignificante. Por exemplo, meu filho acidentalmente jogou fora US$ 10 (cerca de R$ 50 na cotação atual) em troco quando estava tomando sorvete com os amigos, e eu gritei com ele de raiva.
Sou cirurgião e penso no meu comportamento ridículo em vários momentos —às vezes, quando estou operando um paciente— e tenho uma enorme sensação de arrependimento.
Qual é a melhor estratégia para resolver esse problema?
Aliás, meu pai abandonou nossa família quando eu tinha 8 anos. Estávamos nos mudando para outro país e ele não foi ao aeroporto. Como pode imaginar, meu relacionamento subsequente com ele foi irregular e disfuncional.
Resposta da terapeuta: O arrependimento é tão doloroso quanto comum. No entanto, também pode ser uma força positiva, dependendo de como respondemos. Ele pode nos acorrentar ao passado ou pode servir como um motor para a mudança.
Então, vamos ver o que você pode fazer com o seu.
Primeiro, algum contexto. Todos nós entramos na criação de filhos informados pelo que recebemos dos nossos pais. O arrependimento em relação aos erros parentais corta especialmente fundo porque a maioria entra nesse papel com a intenção de criar a melhor infância possível para seus filhos e jurando não repetir os erros de seus próprios pais.
Mas, enquanto você luta contra seu arrependimento, tente se lembrar de que não existe pai perfeito. A cura de erros parentais passados é um processo que começa com autocompaixão e leva à autoconsciência e reparação intencional —consigo mesmo e, quando possível, com seus filhos.
Às vezes, pais que abrigam arrependimento resistem à autocompaixão porque acreditam que não a merecem, dada a dor que causaram. Eles também podem pensar que o sentimento pode implicar uma falta de remorso. Mas não é verdade. A autocompaixão nos ajuda a assumir a responsabilidade, o que abre caminho para a responsabilização e cura.
Pense em quão jovem você era quando seu pai o abandonou abruptamente enquanto sua família se preparava para se mudar. Acho que está percebendo o quão profundamente essa perda o afetou e, por extensão, sua experiência como pai. Crianças que vivenciam o abandono parental frequentemente desenvolvem uma profunda necessidade de controle, que pode emergir como raiva explosiva quando se sentem vulneráveis ou ameaçadas.
Ser um cirurgião, onde o controle é primordial, provavelmente forneceu um contraste gritante com a imprevisibilidade que você experimentou quando criança. Mas o fato de que essas memórias o interrompem durante a cirurgia —em um momento de pico de foco— sugere que sua mente está essencialmente dizendo: Não posso mais compartimentar essa dor.
Você pode fazer uma de três coisas com sua dor: fugir (negação, compartimentalização), afogar-se nela (ruminação) ou fazer amizade com ela. Ser amigo da sua dor significa deixá-la sentar ao seu lado e ter uma conversa com ela. Esse diálogo interno pode soar algo como:
Você: Bem-vinda, velho amiga. Lembro-me de ter conhecido você no aeroporto há quase 60 anos. Você entrou correndo na minha vida, mas eu te afastei. Pensei que poderia me livrar seguindo em frente, criando uma família mais estável do que a que eu tinha e me destacando na minha carreira. Mas estou cansado de fugir. Então sente-se comigo. Talvez eu possa aprender algo com você, afinal?
Sua dor: Talvez eu possa te ajudar a ver que as ações do seu pai não eram um reflexo de quão digno de amor você era, mas sim da incapacidade dele de amar adequadamente. Isso deve ter sido muito difícil de entender aos 8 anos de idade. Você merecia ter um pai amoroso e presente. E embora você desejasse ter conseguido controlar a raiva com seus filhos, posso ver como qualquer pessoa com sua formação pode ter lutado dessa forma. Espero que você mostre alguma compaixão e considere que explorar isso agora lhe dá a oportunidade de se relacionar consigo mesmo e com os outros de forma diferente. Não estou aqui para machucá-lo —estou aqui para ajudá-lo a seguir em frente.
Engajar-se nesse tipo de diálogo e reconhecer o contexto em que perdeu a paciência ajudará você a se sentir menos envergonhado e a agir. Essa ação pode incluir trabalhar com um terapeuta para dar sentido à sua infância por meio de uma lente adulta, ganhar ferramentas para autorregulação em seus relacionamentos e trabalhar a tristeza sobre sua própria infância e a de seus filhos.
Você também pode começar um diálogo com seus filhos —não para buscar o perdão deles, mas para oferecer um pedido sincero de desculpas e um convite para aprender como pode estar lá para eles. Você pode começar com algo como:
Quero falar com vocês sobre algo importante. Agora reconheço que, durante a infância de vocês, eu respondia a situações com raiva desproporcional e dolorosa. O incidente com os US$ 10 —e outros momentos como esse— nunca foram realmente sobre o erro, mas sobre minha própria dor e medos não resolvidos, que estou superando. Lamento profundamente não ter reconhecido isso antes, e peço desculpas pelas vezes em que fiz vocês se sentirem assustados, pequeno, criticados ou indignos. Não estou pedindo nada de vocês, mas o oposto —se eu puder estar lá, como o pai que vocês precisam agora, ou puder ajudar a curar algo entre nós, essa será minha maior prioridade.
Não sei como são seus relacionamentos atuais com os filhos, ou o que eles farão com isso. Mas a questão é menos sobre a resposta deles e mais sobre transformar o arrependimento de uma fonte de tormento em uma nova oportunidade de ser o melhor pai possível para eles, de qualquer maneira que se sintam confortáveis, e também o melhor pai que você nunca teve para si mesmo.
A cura mais profunda geralmente vem do reconhecimento de que não somos definidos por nossos piores momentos, mas por nossa capacidade de aprender, crescer e reparar.