Ameaçando retaliações contra a imposição de qualquer tipo de cobrança sobre as emissões de carbono do setor marítimo, os Estados Unidos se retiraram da reunião da IMO (Organização Marítima Internacional), entidade vinculada à ONU (Organização das Nações Unidas), que acontece até sexta-feira (11) em Londres.
A descarbonização do setor —que responde por cerca de 3% das emissões globais e movimenta 90% do comércio mundial— e a possibilidade de taxação são justamente os temas centrais do encontro, que reúne mais de 170 países na capital britânica.
“Os EUA rejeitam todos e quaisquer esforços para impor medidas econômicas contra seus navios com base nas emissões de gases de efeito estufa ou na escolha de combustível das embarcações”, diz um comunicado diplomático dos EUA enviado a outras delegações.
Os norte-americanos afirmam que, “caso uma medida tão flagrantemente injusta avance”, irão considerar “medidas recíprocas para compensar quaisquer taxas cobradas dos navios dos EUA e compensar o povo americano por quaisquer outros danos econômicos resultantes das medidas adotadas sobre as emissões”.
A administração de Donald Trump, que desde o primeiro dia adotou medidas contra o multilateralismo e os esforços de proteção ambiental, como a saída do Acordo de Paris, também disse se opor “a qualquer medida proposta que financie projetos ambientais ou de outro tipo que não estejam diretamente ligados ao setor de navegação”.
Apesar do tom e das ameaças do comunicado, observadores e diplomatas consideram que a manobra dos EUA teve pouco impacto nas discussões, mesmo no contexto de escalada de guerra comercial movida por tarifas alfandegárias.
Nesta quarta-feira (9), as negociações prosseguiram normalmente, sem que qualquer outro país tenha se retirado em apoio à posição norte-americana.
“As negociações foram retomadas normalmente nesta manhã, com os países focados em alcançar um resultado ambicioso. Na verdade, um mecanismo robusto de precificação de carbono pode criar estabilidade e previsibilidade em mercados voláteis. Se a IMO não conseguir um desfecho ambicioso nesta semana, a culpa será das pessoas que estão na sala, e não de quem tenta intimidar à distância”, disse Emma Fenton, diretora sênior de diplomacia climática da Opportunity Green.
Apesar do poderio econômico e da retórica, a influência norte-americana é relativamente menor nas negociações da Organização Marítima Internacional do que em outras instâncias do multilateralismo. Em 2024, menos de 1% da frota marítima internacional foi registrada nos Estados Unidos.
“Os EUA são um dos 176 Estados-membros da IMO. Embora sua influência nesse processo seja considerável, não podemos permitir que uma tempestade vinda de um país nos tire do curso. A organização, incluindo os EUA, já concordou com metas de descarbonização. Estamos aqui em Londres para definir como alcançá-las”, disse Albon Ishoda, enviado especial da República das Ilhas Marshall para a Descarbonização Marítima.
“Neste momento de instabilidade nos mercados, uma direção clara desta reunião da IMO é mais necessária do que nunca. Vamos continuar negociando com aqueles que estiverem dispostos a dialogar”, completou.
Em 2023, em um acordo considerado histórico, a IMO estabeleceu a meta de zerar as emissões da indústria marítima até “por volta de 2050”, determinando objetivos graduais para a transição. Até 2030, os navios devem apresentar uma redução de pelo menos 20%, mas com esforços para chegar aos 30%, em relação aos valores de 2008.
Agora, os países-membros da entidade estão reunidos para decidir como chegar lá. Considerando que o setor é altamente dependente dos combustíveis fósseis, é praticamente consenso que o caminho envolve algum tipo de cobrança sobre as emissões dos navios. O grande debate é o modelo a ser adotado.
Uma proposta encabeçada pela União Europeia, com forte apoio dos países-ilha do Pacífico, propõe a criação da primeira taxa global na navegação, com uma cobrança por tonelada de carbono emitida.
Do outro lado, Brasil, China e vários outros emergentes são contrários a um modelo de cobrança que abarque todos os gases poluidores emitidos. Esse grupo defende uma proposta alternativa, na qual a taxação ocorre somente sobre as emissões que ultrapassarem um objetivo pré-determinado.
Na avaliação do governo brasileiro, a proposta europeia poderia encarecer os principais produtos da pauta de exportação, uma vez que as commodities mais vendidas pelo país têm como destino principal a China. Devido à distância entre os dois países, as embarcações que fazem esse transporte estariam sujeitas a taxações mais elevadas.
Esse entendimento é compartilhado por outros países cujos principais mercados consumidores também estão geograficamente distantes.
Nas negociações em Londres, diplomatas estão tentando trabalhar em uma proposta intermediária para o modelo de taxação das emissões.
Outro ponto também em discussão são os tipos de combustíveis utilizados para a descarbonização. Estima-se que até 5% da produção mundial de petróleo seja utilizada no transporte naval, o que representa um grande mercado potencial para o tipo de energia adotada na transição.
Em uma carta aberta divulgada antes da reunião, 69 organizações não governamentais apelaram aos países-membros da IMO para não apoiarem a utilização de biocombustíveis, argumentando que eles representam risco de aumento de desmatamento, entre outros problemas ambientais e sociais.
O documento também critica a posição do Brasil, segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo, atrás apenas dos EUA, que defende a utilização dessas fontes como solução de longo prazo no setor naval.