Os debates sobre o fim da escala 6×1 —que tomaram o país no final de 2024— devem voltar com força neste ano, após a deputada Erika Hilton (PSOL-SP) protocolar a PEC (proposta de emenda à Constituição) que cria a escala 4×3 (quatro dias de trabalho para três de descanso).
Ao lado de vereador do Rio de Janeiro, Rick Azevedo (PSOL), criador do Movimento VAT (Vida Além do Trabalho), Erika anunciou o protocolo da PEC no Congresso e a união dela com outra que já está em andamento.
Debatida e implantada em alguns países, a semana de quatro dias já foi testada no Brasil. Em 2024, 19 empresas utilizaram a escala, em projeto-piloto que mostrou bons resultados, mas expõe desafios.
Mesmo trabalhando um dia a menos, a produtividade cresceu em 71,5% dos casos, houve aumento no nível de engajamento em 60,3% e elevação do comprometimento em 65,5% das empresas.
Porém, o modelo precisa de ajustes. Há áreas em que a escala só pode ser aplicada com contratação de mais profissionais, como na saúde, e outras nas quais a redução depende de fatores externos, como é o caso da jurídica, na qual audiências podem durar poucos minutos ou muitas horas.
Erika afirmou à Folha que aguardou para protocolar a PEC ao lado de Azevedo, fundador do VAT, porque queria sentir como estaria o Congresso neste ano, com a eleição para presidência da Câmara e do Senado. As assinaturas necessárias foram obtidas no ano passado.
“A gente não protocolou porque queria entender como ficariam as presidências das comissões, fazer algumas conversas. Temos algumas estratégias nacionais.”
Azevedo tem um abaixo-assinado online com quase 3 milhões de assinaturas.
Renata Rivetti, fundadora da Reconnect Happiness at Work, empresa de bem-estar e liderança humanizada que participou do piloto no Brasil como orientadora, afirma que os resultados surpreenderam, mas que o assunto é polêmico.
Para implantar o modelo, diz ela, é preciso testá-lo, entender se funciona para cada nicho de mercado e se programar com cursos e consultorias. Se isso não ocorrer, as chances de dar errado são grandes.
“O que consigo garantir é que, para o trabalho de conhecimento, intelectual, é possível fazer [a redução] sem perder resultados. Acho que a gente como sociedade tem que estar aberto a evoluir na pauta, mas entender qual o impacto da mudança”, afirma.
O projeto-piloto teve início em setembro de 2023, com 21 empresas ainda na fase preparatória. Duas delas desistiram antes, uma da área de saúde, e outra, do setor comercial no Rio Grande do Sul, que precisou deixar de participar por ter sido vítima das chuvas de 2024.
Gabriela Brasil, diretora de comunidade na 4 Day Week Global e coordenadora do projeto no Brasil, diz que, ao final, houve impactos positivos para empresas e trabalhadores.
“Este piloto ocorreu em um contexto desafiador, considerando que o Brasil apresenta altos índices de ansiedade, burnout e produtividade ainda baixa, apesar do imenso potencial criativo e produtivo disponível”, afirma.
Gabriela atuou na orientação das participantes para que entendessem quais os gargalos de produtividade e conseguissem diminuir a carga de trabalho sem perder resultados.
Em geral, segundo ela e Renata, o desperdício ocorre com reuniões desnecessárias e distrações de seus funcionários.
Atacar essas falhas na produtividade foi a principal estratégia de Fabrício Oliveira, CEO da Vockan, empresa de soluções tecnológicas, quando decidiu implantar a semana de quatro dias em sua então recém-inaugurada companhia, em 2022.
Oliveira é pioneiro no Brasil na adoção da escala 4×3, com salários iguais, e também participou do projeto-piloto. Segundo ele, a produtividade cresceu 32% ante a atividade anterior, já que Oliveira “herdou” a expertise de uma empresa que atuava no país, da qual ele era CEO, mas fechou as operações.
“Entregamos mais, com gestão de tempo, treinamento para foco e fim das reuniões desnecessárias.”
De novembro de 2022 a março de 2023, o empresário desenvolveu seu próprio piloto da semana de quatro dias. Ampliou o final de semana com folgas às sextas ou segundas, implantou o home office e criou o office day, um único dia em que os profissionais são obrigados a ir ao escritório.
“Quando fiz a proposta de trabalharmos um dia a menos, os setores financeiro, de logística e operação, e de atendimento ao cliente acharam que eu estava ficando louco, que ia impactar negativamente os resultados, mas eu já via o movimento na Europa e sabia que tinha tudo para dar certo”, afirma.
Para se adaptar ao mercado, já que a sociedade brasileira ainda vive na escala 6×1 —seis dias de trabalho com um de descanso— Oliveira reveza as equipes: parte folga na sexta-feira e parte na segunda.
Em dois anos, a empresa mais do que dobrou de tamanho, passando de 60 funcionários para 132, o que a fez mudar para um novo escritório, refletindo no bem-estar e na retenção de talentos. Pesquisa interna mostra que 78% dos funcionários se dizem muito felizes na empresa.
Valquíria Gonçalves, 45, representante comercial da Vockan, afirma que a semana de quatro dias foi o que mais chamou sua atenção quando concorreu a uma vaga na empresa.
Contratada em agosto, ela mora em Santos (litoral paulista) e, como precisa ir presencialmente ao escritório apenas uma vez por semana, mantém sua rotina com a qualidade de vida que buscou ao se mudar.
“Era uma vaga concorrida, justamente por causa dos benefícios, mas eu não queria perder. Já trabalhei em escala 6×1 e sei o quanto é difícil. Ter um dia a mais de descanso faz com que você consiga mais equilíbrio”, afirma.
No escritório de advocacia Clementino e Teixeira, que também participou do piloto da 4 Day Week Global, a implantação da semana de quatro dias foi mais desafiadora.
O principal problema, segundo Soraya Clementino, sócia da banca, está ligado aos prazos judiciais que os advogados não podem deixar de cumprir.
Mas o escritório não desistiu de ter jornada menor. Segundo ela, depois de participar do projeto-piloto no Brasil, a empresa conseguiu que ao menos uma semana no mês seja de jornada de quatro dias.
“A gente não quer romantizar uma coisa que é tão complexa e profunda. Somos um escritório de advocacia que está fisicamente em São Paulo e Belo Horizonte, com 14 e 15 pessoas. Empresa de até 20 funcionários é mais fácil testar por ter time menor. Do ponto de vista jurídico, é perfeitamente possível, mas a questão da produtividade, conforme a natureza da atividade, não é uma conta simples”, diz.
Segundo ela, os grandes ganhos com a semana de quatro dias foram acelerar um processo de implantação tecnológica no escritório e entender e em que se gasta mais tempo no dia a dia dos advogados.
Conseguiu-se agilizar a produção de petições, contando com inteligência artificial, mas a duração, o horário e o dia das audiências, não. Essas atividades não dependem do advogado, mas do sistema Judiciário.
Roberta Faria, CEO e uma das fundadoras da MOL Impacto, agência que desenvolve ideias e produtos de impacto social, resolveu fazer parte do projeto-piloto da 4 Day Week Global após sentir a necessidade de uma nova forma de pensar o trabalho.
“A gente quis participar desde o começo porque era uma vontade minha como liderança, de repensar a forma de trabalhar, pensando até na produtividade, já que vínhamos numa rotina de esgotamento”, afirma.
Ela afirma que a implantação não foi fácil, porque trabalha com grandes companhias de varejo, que não param nenhum dia na semana. Na empresa, a folga também é por escala (uns descansam na sexta e outros, na segunda).
Para Roberta, é preciso encarar uma nova forma de se trabalhar. “Sempre que a sociedade civil e os trabalhadores se unem para buscar mais direitos e qualidade de vida vai ter essa reação contrária de que é prejudicial à economia, mas a gente vê pela história do mundo que é possível se adaptar.”