Por trás da decisão do presidente Donald Trump de impor tarifas pesadas a alguns dos maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos está sua fixação no déficit comercial que o país tem com outras nações. Mas muitos economistas afirmam que esse é um péssimo critério para julgar a qualidade de uma relação comercial.
As tarifas elevadas, que entrariam em vigor para quase 60 parceiros comerciais nesta quarta-feira (9), mas foram suspensas, foram calculadas com base nos déficits comerciais bilaterais, ou seja, a diferença entre o que os Estados Unidos vendem para cada país e o que compram.
Há muito tempo, Trump vê essa diferença como forte evidência de que os Estados Unidos estão sendo “explorados”. Ele argumenta que o comportamento injusto de outros países tornou o comércio muito desequilibrado e que os Estados Unidos precisam ser capazes de fabricar mais do que consomem.
Com sua mais recente rodada de tarifas, o presidente declarou que o déficit comercial dos EUA é uma emergência nacional, o que, segundo ele, dá justificativa para a imposição de tarifas imediatamente.
Mas economistas argumentam que essa é uma maneira falha de abordar a questão, uma vez que déficits comerciais bilaterais surgem por motivos que vão além de práticas injustas.
“É totalmente ridículo”, disse Dani Rodrik, economista que estuda globalização na Universidade de Harvard, sobre o hiperfoco de Trump nos déficits bilaterais. “Não há outra maneira de dizer, não faz sentido.”
Alguns economistas concordam que o déficit comercial geral dos Estados Unidos com o resto do mundo reflete um problema para a economia americana, já que os Estados Unidos são dependentes da manufatura de outros lugares, como a China. O déficit comercial dos EUA atingiu um recorde de US$ 1,2 trilhão no ano passado.
Mas muitos não veem isso como um problema. Quase todos dizem que focar desequilíbrios específicos de cada de país para país pode ser altamente enganoso.
Muitas vezes, relacionamentos bilaterais apenas seguem o fluxo do comércio, sem sugerir muito sobre as práticas comerciais de um país como um todo.
Matthew Klein, que escreve sobre economia para The Overshoot, aponta que os Estados Unidos têm um superávit comercial com a Austrália porque exportam muitas máquinas, equipamentos de transporte e produtos químicos.
Já a Austrália tem um superávit comercial com a China, enviando minério de ferro, gás natural e ouro. E a China tem um superávit comercial com os Estados Unidos enviando peças de automóveis, eletrônicos e baterias.
Os Estados Unidos também têm superávits comerciais substanciais com os Países Baixos e Singapura, disse Klein. Mas isso não é porque os holandeses e singapurenses consomem muito mais produtos americanos do que outras nações.
É porque esses países abrigam grandes portos que importam produtos americanos. Os Países Baixos descarregam produtos dos EUA em seus portos e os enviam por toda a Europa para outros consumidores, enquanto Singapura faz algo semelhante para a Ásia. Mas o saldo comercial é calculado com base no país que o produto alcança primeiro, não em seu destino final.
Economistas também criticaram as tarifas de Trump por visar absolutamente todos os fluxos de comércio exterior, sem considerar quão estratégico é o produto para os Estados Unidos ou mesmo se o país pode realmente produzi-lo.
As tarifas de Trump são calculadas por uma fórmula simples, que se resume a dividir o déficit comercial que os EUA têm com cada país pelo valor dos bens que os EUA importam dele.
Essa fórmula significa que, até que as importações e exportações dos EUA com cada país se equilibrem, outros países enfrentarão tarifas adicionais, independentemente de a nação fornecer aos Estados Unidos tecnologia avançada, brinquedos, cacau ou milho.
Os conselheiros de Trump defenderam a metodologia. Stephen Miran, presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, disse em uma entrevista que o presidente “deixou claro há décadas que os déficits comerciais bilaterais são um grande problema para os americanos”.
Miran argumentou que o déficit comercial poderia ser um “substituto para a totalidade das políticas econômicas que causam déficits comerciais persistentes”. O governo Trump fez muita análise da situação, disse ele, e o presidente decidiu que a abordagem “era o caminho mais justo para os trabalhadores americanos.”
Em depoimento ao Congresso na quarta-feira, Jamieson Greer, o representante comercial dos EUA, apontou políticas discriminatórias em lugares como a União Europeia, Brasil e Índia que resultaram em crescentes déficits comerciais.
Greer disse que o déficit comercial dos EUA era “impulsionado por essas condições não recíprocas” e chamou isso de “uma manifestação da perda da capacidade da nação de fazer, crescer e construir.”
“É perigoso, e o presidente reconhece a urgência do momento”, disse Greer.
O governo também parece ver o foco nos déficits comerciais bilaterais como uma maneira de abordar o fato de que produtos da China parecem ter sido encaminhados por outros países para os Estados Unidos.
Depois que Trump impôs tarifas à China em seu primeiro mandato, muitas fábricas se mudaram para fora para evitar as tarifas, mas continuaram dependendo de peças, matérias-primas e tecnologia chinesas.
Com a nova fórmula de tarifas de Trump, países que têm sido o destino dessas fábricas e tiveram seus superávits comerciais com os Estados Unidos aumentados nos últimos anos serão duramente atingidos.
“Como a economia global agora está bastante integrada, os países têm sido capazes de mover produtos por terceiros para entrar em nosso mercado”, disse Mark DiPlacido, conselheiro de políticas na American Compass, um think tank econômico conservador. À medida que o déficit comercial bilateral dos EUA com a China diminuiu, o déficit com outros países do sudeste asiático aumentou, disse ele.
“Então, não é mais suficiente apenas mirar na China”, disse ele. “É necessário ter essa linha de base global se quisermos ver o déficit comercial geral diminuir.”
Michael Pettis, professor de finanças na Universidade de Pequim que estuda o assunto, disse que as novas tarifas podem redirecionar a maneira como o comércio se move em certos países, mas ainda não farão muito para mudar o tamanho do déficit comercial geral que os Estados Unidos têm com o mundo.
“Eles estão focando o problema errado, déficits bilaterais”, disse Pettis.
Pettis vê o déficit comercial geral que os Estados Unidos têm com o mundo como um problema para a economia americana porque significa que a demanda do consumidor dos EUA por bens apoia a atividade manufatureira em outros lugares, como na China, em vez de nos Estados Unidos.
Mas ele insiste que os desequilíbrios comerciais que os Estados Unidos têm individualmente com outros países nem sempre refletem esse problema, e que as tarifas não necessariamente vão resolver isso.
Em sua visão, políticas governamentais em lugares como China, Alemanha, Coreia do Sul e Taiwan estão impulsionando grandes superávits comerciais. Todo superávit comercial precisa de um déficit para equilibrá-lo, e isso acaba inflando o déficit comercial dos EUA. Sem mudanças econômicas maiores na China e em outros países, esses problemas ainda persistirão, ele argumenta.
“Há um problema sério”, disse ele. “Não estamos vendo a melhor solução para esse problema.”
Outros economistas ainda contestam a ideia de que ter um déficit comercial geral com o resto do mundo é um problema para os Estados Unidos. Outros fatores, como gastos do governo dos EUA e fluxos de investimento, são os principais motores do déficit comercial dos EUA, não a demanda por bens, argumentam alguns economistas.
E eles dizem que, se as tarifas de Trump reduzirem o déficit comercial geral, será provavelmente porque afundaram a economia dos EUA ou afastaram investidores dos Estados Unidos ao minar a confiança mundial no dólar americano e em seus mercados.
Rodrik, o economista de Harvard, disse que não havia “absolutamente nenhuma relação entre o déficit comercial de um país e o quão bem ele está indo.” Ele apontou que tanto a Venezuela quanto a Rússia têm superávits comerciais.
“Os Estados Unidos realmente querem ser uma Venezuela ou uma Rússia?”