As despesas com o BPC (Benefício de Prestação Continuada) iniciaram o ano de 2025 em alta, apesar dos esforços do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para tentar conter o ritmo de expansão do programa.
Em janeiro, o gasto com a política ficou em R$ 10,1 bilhões, alta de 14,8% acima da inflação em relação a igual mês do ano passado. O resultado acendeu um sinal amarelo dentro do Executivo ao indicar que os esforços recentes de revisão de regras e benefícios irregulares não estão se traduzindo em alívio efetivo na trajetória da despesa.
O BPC é pago a idosos acima de 65 anos e pessoas com deficiência de baixa renda (ganho de até ¼ de salário mínimo por pessoa, equivalente hoje a R$ 379,50). Seu crescimento é impulsionado pela correção do piso e pela expansão no número de beneficiários.
Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (27) pelo Tesouro Nacional, que anunciou também um superávit de R$ 84,9 bilhões nas contas do governo central (formado por Tesouro, Previdência Social e Banco Central), o melhor resultado para o mês desde 2023 (quando o saldo ficou positivo em R$ 86,4 bilhões).
No fim do ano passado, o forte crescimento das despesas com o BPC levou o governo Lula a propor mudanças nas regras do programa no pacote de contenção de gastos apresentado ao Congresso Nacional. No entanto, parte das medidas esbarrou em resistências políticas, e o pacote foi desidratado pelo Legislativo.
As alterações que sobreviveram à tramitação e foram aprovadas ainda estão em fase de regulamentação. Mas a continuidade do ritmo acelerado nas despesas do BPC já disparou um alerta dentro do governo.
Sem maior controle na execução da política, técnicos da área econômica veem risco de precisar bloquear outros gastos no Orçamento de 2025 para compensar o custo maior com o programa.
A proposta orçamentária prevê R$ 112,8 bilhões para pagamento do BPC, mas o valor conta com uma economia de R$ 6,6 bilhões com o cancelamento de 670 mil benefícios considerado potencialmente indevidos pelo governo.
O resultado de janeiro mostra, porém, que a execução está mais acelerada do que o esperado. Se o valor do primeiro mês se repetir no restante do ano, isso já resultaria em um gasto total de R$ 121,2 bilhões —acima do que está previsto no Orçamento.
Técnicos que participaram da elaboração do pacote do fim de 2024 admitem maior descrença com o potencial das revisões para economizar recursos, uma vez que elas têm ocorrido em ritmo aquém do desejado, e seus efeitos são suplantados pela expansão no volume de novos requerimentos e nas concessões de benefícios.
A proposta orçamentária previa que o governo chegasse ao fim de 2025 com 5,9 milhões de beneficiários do BPC. Em dezembro do ano passado, esse número já estava em 6,3 milhões. Havia ainda outros 447 mil pedidos do benefício à espera de análise em novembro, dado mais recente divulgado pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
A secretária adjunta do Tesouro Nacional, Viviane Varga, disse nesta quinta, em entrevista coletiva, que o governo monitora a evolução dos gastos com BPC e que alguns fatores devem permitir o arrefecimento da trajetória, embora ela não tenha detalhado quais evidências existem nessa direção.
“Temos a expectativa de que medidas que estão sendo adotadas possam, de fato, promover uma contenção na evolução dessas despesas”, afirmou.
Apesar das barreiras às medidas do governo, uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) mostrou que há campo para atuação. O órgão de controle apontou um prejuízo de R$ 5 bilhões ao ano com pagamentos indevidos a famílias que não se enquadram no critério de renda do programa.
Em decisão nesta quarta-feira (26), o plenário do tribunal recomendou uma série de ações ao governo para sanar os problemas.
O pacote aprovado no ano passado endereça uma parte deles. As novas regras proíbem descontar da renda familiar parcelas de despesas sem previsão legal, uma maneira de coibir decisões judiciais que buscam facilitar o ingresso no programa. Também exigem cadastro biométrico dos beneficiários e atualização periódica das informações das famílias, para evitar pagamentos indevidos.
O governo também tentou mexer em outras regras agora apontadas como fonte de distorções pela auditoria do TCU, mas enfrentou resistências do Congresso. Uma delas permite o acúmulo de mais de um BPC pela mesma família. Segundo a corte de contas, entre abril de 2020 e junho de 2024, 194,7 mil famílias passaram a receber mais de um benefício, cerca de 14% das concessões no período.
O TCU não cita o cálculo, mas, se essas famílias continuam recebendo o BPC, isso representaria uma despesa anual de R$ 3,5 bilhões, considerando o salário mínimo atual de R$ 1.518.
O Congresso também barrou a tentativa do governo de rever o conceito de pessoa com deficiência, que tinha o objetivo de permitir acesso ao programa apenas em casos de deficiência grave.
Como mostrou a Folha, o aumento expressivo nas concessões de BPC para pessoas com autismo foi o que motivou o Executivo a propor as mudanças.
Dados do Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome mostram que o número total de benefícios do BPC para pessoas com deficiência concedidos pela via administrativa subiu 30,6% entre o fim de 2021 e setembro de 2024. No grupo dos diagnosticados com TEA (transtorno do espectro autista), a expansão foi de 247,5% no mesmo período. A taxa é bem maior do que a registrada nas demais doenças.
O diagnóstico é que a adoção do modelo biopsicossocial abriu margem para avaliações subjetivas, sobretudo quando se trata de transtornos comportamentais. Hoje, eles respondem por 844,8 mil beneficiários, cerca de um terço do total de 2,75 milhões de concessões administrativas para pessoas com deficiência. Dentro desse grupo, os beneficiários diagnosticados com autismo somam 289,5 mil.
A despeito do diagnóstico traçado pelo governo, o Legislativo rejeitou a mudança neste ponto do programa.