Costumo dormir cedo, um dos grandes acontecimentos da sobriedade. O cansaço chega por volta de umas nove horas da noite. Não gosto de ficar até tarde acordada porque me lembra a ativa. Mas não dispenso uma boa série para pegar no sono.
“Assiste ‘Valéria’, é um seriado meio ‘Sex and the City’, só que espanhol.” Minha irmã me mandou essa mensagem quando disse a ela que estava à procura de uma distração. A série é uma delícia mesmo, gira em torno de quatro amigas que enfrentam os desamores da vida e se ajudam mutuamente.
Fico pensando o que seria de mim sem minha irmã. Ela é minha maior parceira e acredito que só estou viva por causa dela. Contei aqui sobre o episódio de surto que tive em maio do ano passado, mas não dei detalhes.
Eu estava em outro país e fui saindo dos grupos de WhatsApp. Minha irmã achou estranho e começou a me mandar uma mensagem atrás da outra. E eu não respondia.
Quando ela percebeu que havia alguma coisa muito errada, acionou pessoas próximas que estavam no mesmo país, ou porque moravam lá ou por estarem viajando. Em menos de uma hora eu tinha companhia. Ela não sossegou enquanto não teve notícias mais assertivas quanto ao meu estado.
No princípio, ela teve certeza que eu tinha bebido. Claro, nada que eu dizia fazia sentido. Foi uma das coisas mais tristes que já me aconteceram. Não tinha bebido mas parecia, eu não falava coisa com coisa.
Sou de uma família italiana e por isso somos muito próximos uns dos outros. Quando o núcleo familiar soube do meu estado, meu primo Juca foi acionado para me resgatar. Meus irmãos providenciaram a passagem e em menos de 24 horas lá estávamos nós dois, tentando nos comunicar.
Só que eu estava fora do ar e ele tinha a missão de me trazer de volta ao Brasil. Batalha perdida. Ninguém conseguia me tirar do surto e fui hospitalizada lá mesmo, longe de casa mas perto do Juca, que a cada hora mandava mensagem para a família com notícias. Ele ficou muito assustado e também desconfiou que meu estado se devia à ingestão de álcool.
Minha irmã pilotava todos os acontecimentos aqui do Brasil e não sossegou um minuto enquanto não voltei para casa. Foi quase um mês vivendo nesse furacão. Quando cheguei, escutei das minhas primas e amigas próximas o quanto elas sofreram com minha ausência, e também que minha irmã tinha ficado muito preocupada, a ponto de faltar no trabalho para garantir todos os cuidados para mim.
A codependência é uma doença pouco conhecida, que acomete os familiares dos alcoólatras. É comum que pessoas próximas ao doente manifestem sintomas como angústia, ansiedade, pena, culpa, e sobretudo uma necessidade extrema de salvar o dependente. Nas salas de AA existem muitos cartazes dizendo: “A família também adoece”.
É verdade, sinto que todos ao meu redor sofreram muito com meu alcoolismo ativo, e em especial a minha irmã. Ela é um pouco mais velha que eu e acho que isso a deixa em em uma posição materna. E por muito tempo abusei dessa condição: inconscientemente sabia que seria salva e com isso causava muito na vida dos outros.
O lado bom de tudo isso é que hoje tenho a certeza de que tenho alguém incondicionalmente ao meu lado.
Seja para me salvar do surto em outro país ou mesmo dar dicas de séries. É um pouco egoísta, mas é o que é.
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