A ascensão social deveria ser um alívio, mas, para muitos daqueles que emergiram da baixa renda, ela se transforma em um dilema existencial. Em parte, porque subir as escadarias da pirâmide social significa muito mais do que despender um grande esforço para atingir uma situação mais confortável. Significa também um afastamento gradual da origem. Significa transpor uma fronteira que nos distancia de quem fomos.
E, em vários casos, o custo emocional da mobilidade se traduz em solidão. Ela se traduz em uma sensação de ser um estranho dentro da própria família, um forasteiro em meio aos amigos antigos. Esse é o preço de transitar entre mundos que parecem falar línguas diferentes. Mundos que se olham com desconfiança e, por vezes, com aberta hostilidade.
Jovens de origem desfavorecida que conseguem romper a barreira da exclusão e ascender socialmente frequentemente carregam consigo a sensação de não pertencimento e, em muitos casos, de não pertencer a lugar nenhum. Esse sentimento, embora intangível, tem efeitos sobre a estabilidade emocional dos indivíduos.
Veja… A alienação não nasce apenas do lado material. Muitos jovens que conquistam espaços acadêmicos e profissionais tradicionalmente ocupados pelas elites econômicas e culturais relatam um desconforto difuso. Um desconforto cuja gênese está no sentimento de que não conseguem se encaixar em determinados ambientes, de uma sensação de inadequação e do receio de serem vistos como impostores.
Esse sentimento se intensifica diante de códigos de comportamento sutis, formas de expressão e redes de contato às quais eles não tiveram acesso. E aqui quero destacar um ponto: no Brasil e em outras nações desiguais, o pertencimento a certas esferas do poder depende tanto do conteúdo adquirido quanto da fluência em rituais sociais que foram estruturados para excluir.
Como destacou Pierre Bourdieu, a desigualdade se perpetua não apenas pela falta de renda ou educação, mas pela ausência de um repertório cultural compartilhado pelas elites. Em outras palavras, não basta estudar arduamente, ostentar diplomas e acumular credenciais. É preciso decifrar a linguagem não dita, dominar os códigos implícitos e navegar pelas redes informais que regulam a influência.
E assim um conjunto de atitudes aparentemente insignificantes, de olhares viesados a comentários impróprios, acumula-se, enviando uma mensagem constante: “Você não é um de nós”.
Diante desse cenário, dois caminhos se abrem. O primeiro é a adaptação solitária, em que indivíduos fazem um esforço hercúleo no altar da aceitação para se encaixar nos moldes tradicionais, muitas vezes ao custo de sua identidade e saúde mental.
O segundo é a busca por uma transformação coletiva, onde os espaços de aprendizado e trabalho reconheçam que a verdadeira inclusão vai além da mera presença de alguma diversidade. Ela reside na disposição de questionar e transformar os códigos de conduta excludentes, permitindo que as diversas perspectivas se encontrem em um prolífico diálogo voltado para a construção de um futuro mais acolhedor.
O texto é uma homenagem à música “Changes”, de 2Pac, Bruce Hornsby e Dion Evans, interpreta por 2Pac e Talent.
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