Um trabalho recente de pesquisadores chineses reportou a descoberta de uma nova linhagem do HKU5-CoV, um tipo de coronavírus que infecta morcegos. O estudo sugere que essa nova linhagem seja capaz de infectar células humanas em laboratório, mas ainda não se sabe se poderia causar doença em humanos.
Esse coronavírus pertence à mesma família do vírus causador da Síndrome Respiratória do Oriente Médio, conhecida como Mers (Middle East Respiratory Syndrome).
Em dezembro do ano passado, um grupo de pesquisadores brasileiros identificou um vírus em morcegos no Ceará que até então só havia sido encontrado em humanos, especificamente em pacientes com HIV, sepse de origem desconhecida, pericardite recorrente, diarreia ou encefalite e em amostras de bancos de sangue. O estudo alerta para a possível circulação silenciosa do vírus.
No mês passado, o mesmo time de pesquisadores brasileiros identificou sete tipos de coronavírus em amostras de morcegos coletados em três municípios do Ceará, incluindo um vírus semelhante àquele causador da Mers. É a primeira vez que esse tipo de vírus é identificado na América do Sul.
É possível que esse vírus esteja presente em outras áreas do Brasil ou em outros países da América do Sul? Talvez, mas sem vigilância não há como saber.
Os achados no Brasil foram possíveis através de uma colaboração com o Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) de Fortaleza. O Lacen realiza vigilância epidemiológica passiva de morcegos e colabora com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) na análise das amostras.
Esse tipo de vigilância e colaboração, entretanto, não ocorre em todos os Lacens (cada estado possui um). Mas deveria.
Implementar uma vigilância nacional a partir da perspectiva de saúde única (saúde humana, animal e ambiental) continua sendo uma lacuna no Brasil. Uma lacuna cujas consequências incluem surtos de novos patógenos e reemergência de patógenos em formas mais virulentas.
Cabe lembrar que a recente expansão do vírus oropouche além das fronteiras do bioma amazônia aconteceu após a circulação silenciosa de uma nova linhagem por cerca de uma década.
Em 2022, agências da Organização das Nações Unidas (ONU) elaboraram o Plano de Ação Conjunta de Uma Só Saúde (2022-2026). O plano propõe atividades, formas de mobilizar recursos, prazos de implementação etc. Em 2023, as mesmas organizações publicaram um guia para a implementação do plano de ação.
No Brasil, o Comitê Técnico Interinstitucional de Uma Só Saúde foi criado em abril de 2024. O objetivo é elaborar e apoiar a aplicação do Plano de Ação Nacional.
Esse comitê é um ponto de partida. Mas é necessário que haja uma articulação nacional, de governança independente, que foque na vigilância humana, animal e ambiental, visando a prevenção de emergências.
Não há como ter uma vigilância efetiva sem os três elementos. E não faz sentido estruturar essa vigilância sem estabelecer pontes entre comunidades, pesquisa e governo.
Os recentes achados em morcegos, a incerteza sobre a gripe aviária H5N1 e as mudanças nas condições climáticas locais são apenas alguns exemplos que mostram a necessidade premente de uma estruturação da vigilância no Brasil.
O custo de não o fazer é alto e medido em número de mortes.
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