A semaglutida injetável, conhecida comercialmente como Ozempic ou Wegovy, chegou ao Brasil há poucos anos e tem se popularizado como uma forma segura, eficaz e rápida de perder peso. Essa facilidade, dizem especialistas, pode fazer com que algumas pessoas prefiram usar o medicamento como um atalho para emagrecer, evitando hábitos saudáveis como a prática de exercícios físicos e mudanças na alimentação.
Rafael Marques, nutricionista e doutor em ciências pela USP (Universidade de São Paulo), diz que um dos motivos é que as pessoas muitas vezes confundem ter um corpo magro com ser saudável. “Outro motivo é que a gente vive numa sociedade gordofóbica. Hoje um corpo magro, principalmente de mulheres, tem vantagens sociais.”
Isso faz com que as pessoas busquem cada vez mais a magreza, e a semaglutida aparece como uma forma rápida e fácil —apesar de cara, já que os preços são a partir de R$ 900— para conseguir alcançar esse objetivo, mesmo sem indicação. E, para quem tem essa possibilidade, não faz sentido mudar todo o estilo de vida para conseguir perder peso.
O comportamento dos pacientes que buscam o recurso para perda de peso é subjetivo e depende muito da motivação e do objetivo inicial de cada um. O desenvolvimento e prescrição original da semaglutida é para diabetes tipo 2, mas os resultados de emagrecimento chamaram a atenção também para que ela se tornasse uma importante aliada no tratamento da obesidade.
A gerente comercial Tatiane Amaral, 42, faz uso da semaglutida há quase um ano. Com diagnóstico de obesidade, mas bons resultados de exames médicos, o que a levou a procurar um médico endocrinologista foi a mobilidade prejudicada e a dificuldade de realizar algumas atividades.
Nesse período, ela perdeu 21 quilos e viu a sua qualidade de vida mudar. Começou a praticar exercícios de três a quatro vezes por semana e buscou acompanhamento nutricional para melhorar a alimentação. “Tem que fazer atividade física, que focar a alimentação e a terapia também, que tem me ajudado bastante”, compartilha.
Amaral destaca a importância do acompanhamento psicológico no seu processo de emagrecimento. Foi durante a terapia que ela percebeu que queria tomar uma atitude para mudar a sua vida.
Os especialistas concordam que as novas tecnologias farmacêuticas trazem benefícios para muitas pessoas. O problema é quando o uso acontece sem nenhuma indicação ou acompanhamento médico, e essa procura pode ter várias causas.
“Há 100 anos que uma alimentação saudável agregada à atividade física seria o princípio básico, mas as pessoas não aderem, e aí os motivos pelos quais elas não aderem são muito profundos”, aponta Marques.
O nutricionista destaca que existe, sim, um comodismo moderno e que as pessoas hoje em dia tendem a sucumbir ao sedentarismo. Mas existem outros fatores a se considerar.
Segundo ele, muitas pessoas não têm tempo no dia a dia para fazer atividade física ou se importar com a alimentação, principalmente quando envolve fatores socioeconômicos. “A condição social afasta muitas pessoas da atividade física”. Questões de saúde mental seriam outro fator agravante para a falta de motivação necessária.
O economista Igor Saltor, 32, conta que buscou o medicamento pela facilidade de ser vendido sem receita médica e por ver na mídia os resultados satisfatórios que ele poderia trazer sem mudar o seu estilo de vida.
“Estou satisfeito, em menos de 90 dias perdi cerca de nove quilos. Lembrando que o período abrangeu o fim do ano, repleto de festas, com álcool e mais comida que o normal. Não tenho feito nenhuma atividade física, então este emagrecimento deve-se 100% pelo uso da medicação”, diz.
Apesar de os medicamentos de fato não precisarem de prescrição profissional para serem comprados, os especialistas advertem para os riscos de um uso inadvertido.
Bruno Geloneze, endocrinologista e cientista do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades da Unicamp, diz que o uso desses medicamentos potentes sem a prática de exercícios físicos podem levar à perda de massa magra e, em longo prazo, até de massa óssea. “Em segundo lugar, a pessoa pode ter algum grau de desnutrição. Nunca foi tão necessário a adesão a um bom plano executado de atividade física e de uma alimentação equilibrada.”
Os riscos de buscar o medicamento por conta própria também incluem os efeitos colaterais. Esses efeitos podem acontecer com qualquer medicação, e cada organismo e indivíduo pode se sentir diferente em diferentes momentos do processo.
O estudante de agronomia Luiz Otávio Zanqueta, 24, começou a utilizar a semaglutida injetável por conta própria buscando um emagrecimento mais rápido, mas logo no primeiro mês sentiu náusea e tontura. Como mantinha uma rotina de exercícios físicos e estava tendo seu bem-estar prejudicado, preferiu não dar continuidade no uso.
Fábio Trujilho, coordenador do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica, diz que o acompanhamento individualizado é importante para saber como prosseguir nesses casos. “Às vezes, tem pessoas que se sentem mal e que você precisa individualizar se realmente para aquela pessoa é aquela dose ou não é, se você segura mais a progressão [da dose] ou não.”
Além da perda de massa magra, enjoos, tontura e queda da imunidade, os efeitos podem ser ainda mais perigosos. Trujilho aponta que existe uma discussão em curso se o medicamento não poderia favorecer o reaparecimento do câncer medular da tireoide, que é uma das quatro variações da doença.
Por todo esses motivos, ele reforça que o tratamento da obesidade deve ser feito por uma equipe de múltiplas especialidades que devem ter o domínio da doença. “Para o tratamento ser seguro, eficaz e duradouro, ele precisa ser transdisciplinar.”