Algumas pessoas que tomam medicamentos como Ozempic notaram um efeito colateral surpreendente, mas bem-vindo: um menor apetite para bebidas alcoólicas.
Um artigo publicado em 11 de fevereiro aponta que a evidência mais forte até agora de que isso é mais do que apenas uma anedota ou um efeito placebo: a semaglutida, a substância do Ozempic e do medicamento para perda de peso Wegovy, pode de fato ajudar a conter os desejos por álcool. Este é o primeiro ensaio clínico randomizado controlado sobre o fármaco e o consumo de álcool.
O estudo acompanhou 48 adultos que atendiam aos critérios para transtorno por uso de álcool, uma condição frequentemente caracterizada pela dificuldade de controlar o desejo em ingerir bebida alcoólica. Metade dos pacientes tomou doses baixas de semaglutida, e a outra metade recebeu injeções de placebo. Os participantes passaram duas horas em uma sala de laboratório abastecida com suas bebidas alcoólicas preferidas —uma vez antes de começarem a tomar a droga, e uma vez depois. As pessoas no estudo também relataram o quanto beberam todos os dias durante nove semanas.
Aqueles que receberam semaglutida ainda bebiam quase tão frequentemente quanto aqueles que tomaram o placebo. Mas no segundo mês do estudo, as pessoas que tomaram o fármaco estavam bebendo quase 30% menos, em média, nos dias em que consumiram álcool —em comparação com uma redução média de cerca de 2% no grupo placebo. As pessoas que tomaram semaglutida também eram mais propensas a relatar menos dias de consumo excessivo de bebida do que aquelas que tomaram o placebo, e a dizer que seus desejos por álcool haviam diminuído.
Os efeitos no consumo de bebida foram maiores do que os pesquisadores previram, de acordo com dados anteriores sobre outros medicamentos para transtornos por uso de álcool, diz Christian Hendershot, diretor de pesquisa clínica do Instituto de Ciência da Dependência da Universidade do Sul da Califórnia e principal autor do estudo.
Houve tanta pesquisa sobre medicamentos como semaglutida e álcool que “você nem consegue acompanhar”, completa W. Kyle Simmons, professor de farmacologia e fisiologia na Universidade Estadual de Oklahoma, que atualmente está conduzindo um estudo sobre os efeitos do medicamento no transtorno do uso de álcool.
Um desses artigos, publicado no mês passado, examinou registros de mais de dois milhões de pessoas com diabetes que receberam cuidados médicos do Departamento de Assuntos de Veteranos dos EUA. O artigo descobriu que aqueles que tomaram um medicamento da mesma classe que o Ozempic tiveram um risco menor de desenvolver transtornos por uso de substâncias, incluindo transtorno por uso de álcool, do que pessoas que tomaram outros medicamentos para diabetes.
E em maio passado, um estudo que examinou um grande banco de dados de registros médicos descobriu que pessoas com transtorno de uso de álcool e obesidade ou diabetes tipo 2 que tomaram semaglutida tinham menos probabilidade de recaída.
Joseph Schacht, professor associado de psiquiatria na Universidade do Colorado, que também está conduzindo um estudo sobre semaglutida e desejos por álcool, afirma que os pesquisadores ainda não determinaram como a droga pode estar diminuindo o desejo de beber.
Mas uma hipótese importante é que o medicamento impacte as vias de recompensa no cérebro. Assim como a droga pode fazer a comida parecer menos atraente, o mesmo pode acontecer com o álcool. Além disso, estudos em animais mostraram que fármacos relacionados à semaglutida parecem inibir a liberação de dopamina associada à exposição à bebida alcoólica, o que, em teoria, poderia reduzir a motivação para beber.
“Acredito que isso transformará pessoas que lutam contra a capacidade de controlar a bebida em, potencialmente, pessoas que conseguem controlar a bebida”, diz Schacht.
Pesquisadores teorizaram que o efeito pode se estender a uma gama de comportamentos viciantes. Isso pode explicar por que, entre um pequeno subconjunto de pessoas no estudo que fumavam, aqueles que tomaram semaglutida viram um declínio maior no número médio de cigarros que consumiam por dia.
Mas há uma série de questões sobre semaglutida e álcool que ainda precisam ser respondidas —incluindo se o medicamento pode ser seguro e eficaz para pessoas com transtornos alcoólicos, mas não com obesidade ou diabetes.
Os médicos costumam chamar medicamentos como Ozempic de “drogas para sempre”, porque eles param de funcionar se alguém para de tomá-las. Ainda não está claro se quem tem transtorno de uso de álcool precisaria tomar o medicamento pelo resto da vida —ou o que aconteceria com seus desejos quando parasse de tomá-lo.
E “nenhum medicamento funciona para todos”, ressalta Simmons. Estudos maiores podem mostrar que alguns pacientes com transtorno de uso de álcool respondem melhor à medicação do que outros, diz.
Simmons, juntamente com Hendershot, o Schacht e outros pesquisadores, alertaram em um periódico científico que ainda não há dados suficientes para prescrever o medicamento para transtornos por uso de álcool.
“Estou otimista, não me entenda mal”, diz Simmons. “Mas eu simplesmente não me sinto confortável dizendo que os pacientes devem procurar esses medicamentos para o vício ainda.”