A câmera do celular treme com o carro em movimento enquanto filma duas crianças no banco traseiro. As irmãs Lilly e Chloe estão sentadas lado a lado e conversam com a mãe que segura o telefone por trás da câmera.
O carro para na frente da escola, mas rapidamente segue adiante, gerando estranhamento em Lilly, a irmã mais velha. Ela olha para a câmera com surpresa e ri sem entender o que está acontecendo. A mãe então sugere: “acho que deveríamos matar aula e ir para a Disney”. A menina balança a cabeça incrédula e pergunta: “você está falando sério?”. A mãe confirma e Lilly explode em lágrimas, emocionada com a surpresa.
A câmera então se movimenta e captura o olhar de julgamento da irmã mais nova. Enquanto Lilly chora e agradece efusivamente aos pais, Chloe permanece séria, suas pupilas deslocadas para a lateral dos olhos, como quem pensa: “que louca”.
Era para ser só um momento fofo em família, mas a reação inusitada da irmã mais nova virou combustível para que o vídeo viajasse o mundo, acumulando visualizações na casa dos milhões e tornando as irmãs famosas em escala global.
Mais de uma década já se passou, mas “side eye Chloe” –como ficou conhecido o olhar de julgamento da menina– é até hoje um dos memes mais populares da internet.
Semana passada, navegando por um canal de notícias, me deparei com a notícia de que Katie Clem, mãe das irmãs Lilly e Chloe, se arrepende de ter exposto as filhas. “Sinto uma culpa terrível”, ela disse em entrevista à revista People.
Eu sinto muito por essa mãe e consigo imaginar a culpa que ela sente. Onze anos atrás ninguém entendia muito bem os superpoderes que qualquer conteúdo despretensioso poderia ter. Quando que essa coitada ia imaginar que o olhar engraçado da filha de 2 anos iria levá-la a ser reconhecida por gente no Japão?
Cinco anos depois de Chloe ganhar fama, eu tive minha filha. A internet e as redes sociais já tinham virado um outro bicho, e todos nós já sabíamos do que aquele bicho era capaz.
Ela nasceu e eu explodi em arrebatamento. Eu tinha tanta coisa para contar e tanta beleza para mostrar, mas alguma coisa dentro de mim me impediu de clicar no botão de “postar”.
Minha hesitação vinha do medo. A ideia de que pessoas que eu não conheço saberiam quem era minha filha me aterrorizava. Então a protegi da maneira como podia, a mantendo distante dos olhos de quem não tinha nada a ver com sua vida.
Mas além do perigo dos outros, tinha o medo de ser eu mesma o perigo. De lhe fazer mal pelo simples ato de postar algo sobre sua vida sem seu consentimento.
Decidi portanto e definitivamente não expor minha filha na internet quando entendi, ao carregar aqueles três quilos de gente pela primeira vez, que ela era ela, uma pessoa inteira e independente e que talvez não quisesse ter sua vida exposta.
Hoje, aos cinco anos, entendo que ela ainda não tem maturidade para consentir. Quando chegar a hora será ela (e não eu) que vai decidir se deseja ou não estar nas redes sociais e como quer ser percebida ali, que traços da sua personalidade mostrar, que conquistas deseja compartilhar.
Eu vou estar aqui para monitorar, proteger e aconselhar, mas o protagonismo será dela. Vivemos numa era em que a nossa presença virtual se tornou uma extensão de nós mesmos. Eu decidi esperar até que ela tenha sua própria voz para decidir o que irá dizer por ali.
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