O texto da reforma tributária sancionada pelo presidente Lula em janeiro (Lei 214/2025) deve assegurar a não-cumulatividade de impostos sobre consumo ao longo das cadeias de bens e serviços. Ou seja, a partir da adoção da CBS e do IBS, o país terá um regime fiscal sem o efeito cascata de somatória de carga ao longo das etapas envolvidas até o consumidor final, devido à dificuldade das empresas em obter créditos ao longo desse processo.
A avaliação é de Nelson Machado, diretor do Centro de Cidadania Fiscal. De acordo com ele, o crédito será automático em cada fase devido ao modelo inovador de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) a ser adotado pelo Brasil a partir de 2027.
“O direito ao crédito é pleno e está vinculado a que esse tributo tenha sido efetivamente recolhido na etapa anterior. Isso é uma novidade nos sistemas de IVA [Imposto sobre Valor Agregado] no mundo inteiro. Aqui será o primeiro e tem toda condição material para funcionar, porque o próprio desenho [tributário criado por emenda constitucional] vai garantir a devolução, pois o direito ao crédito está associado ao recolhimento”, disse.
Segundo ele, a nova dinâmica será mais perceptível no recolhimento do IBS, cuja arrecadação será concentrada em um Comitê Gestor para dividir o imposto entre estados e municípios. O IBS substituirá o ICMS, gerenciado pelos estados, e o ISS, administrado pelos municípios.
“A arrecadação centralizada do IBS garante no próprio modelo que se faça a devolução dos créditos acumulados. Por quê? Porque quando a arrecadação é centralizada e houver uma empresa com direito de crédito, esse crédito não é repassado para o ente federativo [estado ou município]. Ele fica retido no Comitê Gestor. Isso vai garantir que a empresa ao solicitar a reposição desses crédito o recurso estará lá para isso”, explicou.
Machado ministrou uma aula online nesta quinta-feira (20) intitulada “Split Payment e não-cumulatividade CBS/IBS”. Ele é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV e foi Ministro da Previdência Social (2005–2007). Além de ter atuado como secretário-executivo do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e do Ministério da Fazenda.
Formado em Direito, com mestrado em Administração e doutorado em Contabilidade, Machado listou cinco etapas que asseguram a devolução de imposto a partir de crédito tributário ao longo das cadeias de valor impactadas pela reforma.
São elas: compensação do crédito; recolhimento na operação financeira [split payment]; pagamento pelo adquirente; pagamento pelo consumidor; pagamento pelo responsável. “Esse modelo garante efetivamente a não cumulatividade”, afirmou.
Split payment
Para o professor da FGV-SP, a compensação será possível com a criação do split payment, sistema de tecnologia que será desenvolvido pela União em parceria com empresas do sistema financeiro e bancário. O split funcionará como um tipo de PIX dos impostos, com a empresa que compra um produto ou serviço de outra podendo receber o crédito pago na etapa anterior eletronicamente.
“Isso estabelece uma dinâmica que evita o empoçamento de liquidez no Comitê Gestor ou na Secretaria da Receita Federal. No momento que você faz o débito, ele está praticamente liquidado e transfere o crédito para o elo seguinte da cadeia”, observou.
Na opinião de Machado, a inovação encerra de vez a guerra fiscal, marcada por benefícios dados por governadores ou prefeitos para atrair investimentos. Isto porque a CBS e o IBS será cobrado no destino do bem ou serviço. No modelo atual, a tributação é recolhida na origem.
“Há uma mudança radical. Isso mata ou fere de morte a guerra fiscal, pois não terá mais combustível para fazê-la no sentido de dar incentivo para atrair empresas repassando o custo para outros estados e municípios”, comparou.
Cálculo por fora
Em relação à sonegação fiscal, caracterizada pela venda de bem ou serviço com recolhimento posterior da carga tributária sendo atrasado ou não pago propositalmente, Machado explicou que a reforma acaba com o chamado “cálculo por dentro”.
“Hoje, principalmente no ICMS, você calcula o tributo sobre o preço de venda onde já está o próprio tributo. É o chamado cálculo por dentro, que é uma maneira de esconder a realidade e esconder a alíquota realmente paga pelo consumidor. Em decorrência do modelo de transparência [representado pelo split], teremos o cálculo por fora [recolhimento do imposto em cada etapa envolvida]”, explicou.
Simples Nacional
O professor também explicou que empresas inscritas no Simples Nacional não terão direito à neutralidade tributária, isto é, o recebimento de crédito sobre bens e serviços que na etapa anterior pagaram CBS e IBS. Elas permanecerão com a carga atual definida pelo Simples.
Machado ponderou que empresas do Simples poderão transferir créditos para companhias sob o regime do IVA. “É possível uma empresa do Simples transferir crédito para um empresa do regime regular, mas na exata medida do valor efetivamente recolhido na etapa anterior.”
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