Se os anúncios de tarifas, ora sim, ora não, do presidente dos EUA, Donald Trump, pareceram incomuns, há uma boa razão para isso. Nada parecido com o cenário atual aconteceu antes.
Essa é a estimativa do historiador econômico Douglas Irwin, cujo livro “Clashing Over Commerce: A History of US Trade Policy” (conflitos pelo comércio: uma história da política comercial dos EUA) é a obra de referência sobre o assunto.
Liguei para ele em busca de perspectiva. Ele me disse que o que estávamos vivenciando estava muito fora da norma histórica. Um único homem arriscou a primeira guerra comercial global desde a década de 1930 ao aumentar as tarifas para níveis não vistos há mais de um século. Para Irwin, as ações do presidente representam uma “grande ruptura com a história”.
Mesmo que Trump encerre as tarifas —ele anunciou uma pausa de 90 dias para vários países na quarta-feira (9)— sua postura de agir sozinho é uma grande mudança. Independentemente de como a saga comercial se desenvolva a partir de agora, as primeiras escaramuças em uma guerra comercial, um temido resquício da Grande Depressão, começaram no século 21.
As consequências ainda estão se desenrolando, mas as apostas são altas. Elas incluem a possibilidade de uma recessão global e mudanças geopolíticas que podem não ser do interesse dos EUA —tudo ocorrendo devido às decisões rapidamente mutáveis do presidente dos Estados Unidos.
Até agora, sempre levou décadas de construção de consenso para dobrar a trajetória da política comercial, disse Irwin. Quando o país mudou de rumo no passado, o Congresso desempenhou o papel dominante. Mesmo quando começou a delegar autoridade para negociar acordos comerciais ao presidente na década de 1930, foi o Parlamento quem definiu a direção das tarifas dos EUA: para baixo.
Agora, é inquestionavelmente o presidente que levou o país a um novo e perigoso caminho. “Isso é de importância histórica”, disse Irwin.
No passado, as guerras foram o estímulo para a mudança. A Guerra Civil e a Primeira Guerra Mundial levaram a tarifas mais altas promulgadas pelo Congresso após longas discussões, e essas foram “grandes rupturas” com a história, recordou Irwin.
As tarifas começaram a cair na administração de Franklin D. Roosevelt e, com algumas exceções, incluindo as gestões de Biden e a primeira de Trump, permaneceram relativamente baixas.
“Mas aqui estamos nós, em uma economia de tempos de paz”, disse Irwin. “Estamos basicamente em pleno emprego, 4%. Não há consenso social de que há um grande problema com o comércio, e ainda assim temos uma pessoa, o presidente, mudando radicalmente a direção da política comercial dos EUA.”
AS CONSEQUÊNCIAS
Os mercados de ações têm estado em turbilhão —caíram por dias e saltaram de alegria na quarta-feira (9) com a notícia de que algumas das tarifas dos EUA haviam sido adiadas. Foi o maior ganho em um dia desde a crise financeira de 2008, com o índice de ações S&P 500 subindo 9,5% e apagando algumas das perdas que os investidores tiveram que suportar este ano.
Na quinta-feira (10), no entanto, o entusiasmo diminuiu. O S&P 500 caiu 3,5% no dia, apenas para subir 1,8% na sexta-feira (11).
Se os mercados continuarão a subir ou afundar novamente em um turbilhão de preocupações, provavelmente dependerá do que Trump fará sobre a direção da política tarifária, que os economistas veem, em um consenso esmagador, como equivocada e profundamente perigosa.
Até quarta-feira, a série de anúncios de tarifas do presidente havia gerado expectativas de aumento acentuado dos preços para famílias e empresas, elevando a forte possibilidade de que uma guerra comercial global em expansão pudesse enviar a economia dos EUA para uma recessão e causar vasto sofrimento humano.
Depois que o presidente disse que estava adiando algumas tarifas, o Goldman Sachs abruptamente retirou sua previsão de que uma recessão era provável. Mesmo assim, o prognóstico do Goldman era sombrio: “Estamos revertendo para nossa previsão anterior de base não recessiva com crescimento do PIB de 0,5% e uma probabilidade de recessão de 45%.”
A China retaliou as decisões de Trump. Na quinta-feira, as tarifas dos EUA sobre produtos chineses haviam atingido 145%; a China retribuiu com tarifas sobre produtos dos EUA, elevando-as para 125% no dia seguinte.
As negociações estavam em andamento com muitos países —mas não com a China—, disse o secretário do Tesouro, Scott Bessent. “Não retalie”, afirmou ele, “e você será recompensado.” A União Europeia comunicou que adiaria seus planos de retaliação por 90 dias.
O ALCANCE DA HISTÓRIA
Por mais incomuns que tenham sido as mudanças de rumo da administração Trump sobre tarifas, elas são possíveis apenas porque o Congresso tem delegado autoridade sobre política comercial ao presidente em etapas, começando em 1934.
O artigo 1°, seção 8 da Constituição reserva expressamente ao Congresso o poder de impor tarifas.
O domínio do Congresso sobre a política comercial mudou substancialmente após a Lei Tarifária Smoot-Hawley de 1930, que inaugurou a catastrófica guerra comercial global e piorou a Grande Depressão. Na época, como agora, os economistas se opuseram esmagadoramente a um aumento tarifário, implorando ao então presidente Herbert Hoover que não assinasse o projeto de lei. Ele o fez de qualquer maneira.
Historicamente é evidente que as tarifas foram fatores importantes em uma virada sombria na história mundial, comentou Dale Copeland, cientista político da Universidade da Virgínia. Na década de 1930, o Reino Unido e a França se voltaram para dentro e focaram seu comércio dentro de seus impérios imperiais, enquanto os Estados Unidos, uma potência nascente, tinham uma esfera de influência própria, lembrou Copeland.
O Japão ainda não tinha tal império. Ele começou a adquirir um na China e no Sudeste Asiático, pelo menos em parte, porque dentro de um ano da promulgação do Smoot-Hawley, o Japão havia “perdido a maior parte de seu comércio” e decidiu que precisava de “outras maneiras de obter suprimentos de matérias-primas e petróleo e outras coisas importantes”, afirmou Copeland.
As barreiras tarifárias criaram enormes tensões internacionais e incentivos perversos, lições que “o mundo já aprendeu e pode precisar reaprender agora”, avaliou o cientista político.
Ed Clissold, estrategista sênior dos EUA na Ned Davis Research, uma empresa independente de pesquisa financeira, ressaltou que as implicações geopolíticas do aumento das tarifas precisavam ser estudadas de perto. “Se cortarmos o comércio com a China e aumentarmos as tarifas sobre outros países da região, a China vai se concentrar ainda mais fortemente no Sudeste Asiático”, comentou.
Emily Bowersock Hill, CEO da empresa de gestão de patrimônio Bowersock Capital Partners, afirmou que Trump estava fazendo movimentos geopolíticos erráticos ao não ter controle sobre seu comportamento.
“Levou décadas para estabelecer a reputação dos Estados Unidos ao redor do mundo. Nossa reputação, nossas alianças, nossa marca eram uma vantagem primária. Não levaria muito para perder tudo isso”, comentou.
A presidência dos EUA sempre foi poderosa, mas no passado, os presidentes eram contidos por lei, costume e política. Como mostram as oscilações selvagens dos últimos dias, no entanto, Trump é pouco afetado pela maioria dessas restrições. Mais do que no passado, a direção dos mercados e da economia global depende do humor do presidente.