Para os observadores atentos da política chinesa, a reunião parlamentar anual deste ano enviou uma mensagem importante: Pequim planeja aumentar o investimento em alta tecnologia, apoiar a economia em declínio e se preparar para um ambiente geopolítico mais hostil.
A sessão do Congresso Nacional do Povo (NPC), que encerrou esta semana, foi marcada por uma retórica que pinta a China como uma ilha de estabilidade em um mundo caótico, e também celebrou os avanços em IA (inteligência artificial) por empresas locais como a DeepSeek.
“Este é o ‘congresso DeepSeek'”, definiu Kerry Brown, diretor do Lau China Institute no King’s College de Londres.
Para Brown, o momento da sessão do NPC, que coincidiu com a iminência de caos internacional causado pelas políticas comerciais e externas voláteis do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pressionou os líderes chineses para se diferenciarem dos americanos.
Para Pequim, “foi: ‘Oh meu Deus, temos falado há anos sobre uma situação global complicada e agora isso realmente aconteceu e temos que soar como adultos porque todo mundo está enlouquecendo'”, avaliou ele.
Em uma coletiva de imprensa no NPC, o ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, destacou a abordagem estável da China.
Toda primavera, cerca de 5.000 delegados e membros se reúnem em Pequim para as reuniões do NPC e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, que juntas são conhecidas como as “Duas Sessões”.
O mundo hoje está entrelaçado com turbulências, e a certeza está se tornando cada vez mais um recurso escasso globalmente. A diplomacia chinesa permanecerá firmemente do lado certo da história e do lado do progresso humano. Forneceremos certeza a este mundo incerto.”
As sessões são observadas de perto por investidores em busca de sinais dos objetivos econômicos e estratégicos de Pequim, com analistas analisando cuidadosamente a linguagem do partido comunista nos discursos e documentos oficiais.
Pequim tem priorizado nos últimos anos a segurança nacional sobre o “desenvolvimento” —muitas vezes um eufemismo para crescimento econômico, dizem analistas. Mas em setembro passado, com uma desaceleração acentuada do crescimento do PIB causada pela crise prolongada do setor imobiliário, os líderes mudaram o foco para impulsionar o consumo, anunciando um estímulo monetário e mais tarde tentando revigorar o setor privado.
Em seu “relatório de trabalho”, documento anual das conquistas e metas do governo apresentado na abertura do NPC, o segundo líder da China, o primeiro-ministro Li Qiang, este ano destacou a necessidade de “assegurar melhor tanto o desenvolvimento quanto a segurança”.
Ele também destacou a importância de fortalecer a demanda doméstica —o relatório usou a palavra “consumo” 32 vezes, acima das 21 vezes em 2024, mais até do que as 29 referências a “tecnologia”.
Li também introduziu no léxico do relatório de trabalho pela primeira vez o termo “IA incorporada”, se referindo a robôs ou máquinas movidas por IA.
O orçamento do governo central para 2025, anunciado durante a sessão do NPC, estabeleceu um aumento de 8,3% ano a ano nos gastos com o setor de tecnologia —maior do que para o bem-estar social e quase o dobro do aumento para os gastos fiscais gerais.
Os delegados abraçaram entusiasticamente a ênfase de Li na tecnologia, com vários entrevistados pelo Financial Times defendendo a “IA incorporada” e a necessidade de investir mais em semicondutores.
“Robôs humanoides têm um futuro promissor”, disse o delegado Jiang Yuanxun. “A DeepSeek está mudando nossas vidas.”
Zhang Yunquan, membro da Conferência Consultiva Política do Povo Chinêse especialista da Academia Chinesa de Ciências, disse que “o estrangulamento tecnológico americano” significa que pioneiros locais de IA como a DeepSeek enfrentam problemas para acessar poder computacional adequado.
A China definitivamente investirá mais fundos, talentos e equipes no desenvolvimento de seus próprios chips de computação de ponta. Mais cedo ou mais tarde, vamos superar o gargalo do poder computacional.
Em reuniões paralelas com delegações provinciais, líderes seniores se esforçaram para alertar sobre os quadros difíceis da economia geral e do ambiente global.
Eles repetidamente usaram a frase “uma situação complexa e severa de crescente pressão externa”, disse Manoj Kewalramani, autor de um boletim informativo que fornece interpretações diárias do jornal oficial do Partido Comunista, o Diário do Povo.
Para alguns delegados do NPC, a fraca economia doméstica da China, que sofre com pressões deflacionárias, é uma questão mais urgente do que a turbulência global.
“O gasto do consumidor está realmente ruim este ano, ainda pior do que no ano passado”, disse um delegado, Li Dexiang, que também é presidente do grupo de supermercados Guizhou Heli. “Sinto que as pessoas comuns estão cada vez mais relutantes em gastar dinheiro.”
Sobre o setor imobiliário, o primeiro-ministro Li pela primeira vez usou uma linguagem direta para descrever a queda do setor, dizendo que o governo “conterá a queda e restaurará a estabilidade no mercado imobiliário”. Um ano antes, ele havia dito apenas que “desarmaria os riscos no setor”.
O relatório de trabalho também foi mais franco sobre os problemas do governo com o investimento estrangeiro direto, que sofreu quedas recordes nos últimos anos.
Kewalramani disse que uma reunião entre o líder Xi Jinping e a delegação do Exército de Libertação Popular também enviou uma mensagem importante. Na reunião, Xi, que tem promovido uma ampla campanha anticorrupção, exigiu “o estabelecimento de um sistema de supervisão sólido e eficaz para investigar e abordar a corrupção” nas forças armadas.
Brown, do King’s College, avaliou que, embora a sessão do NPC tenha deixado “uma linguagem relativamente amigável sobre investimento estrangeiro e a China sendo um jogador internacionalmente responsável”, pouco foi dito sobre como Pequim poderia explorar as oportunidades criadas pela abordagem contundente de Trump em relação a terceiros países.
A coletiva de imprensa do ministro das Relações Exteriores Wang, no entanto, sinalizou o possível pensamento de Pequim. Wang elogiou um plano para expandir o grupo Brics e insinuou as esperanças da China para o “sul global” —a massa de países em desenvolvimento não alinhados que Pequim tem cortejado para minar a influência global dos EUA.
“Continuaremos a expandir parcerias globais iguais, abertas e cooperativas”, disse Wang, afirmando que Pequim esperava “escrever um novo capítulo de unidade… com o sul global”.
Colaborou Wenjie Ding em Pequim