Na semana passada, o Copom decidiu elevar a taxa Selic em 1 ponto percentual, e ninguém ficou surpreso.
Na sequência, indagado sobre a decisão, o ministro Fernando Haddad jogou a responsabilidade pelo aumento de juros no colo do ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e ninguém ficou surpreso.
Esta coluna não é sobre essa declaração e essa reunião. É sobre quão descolado da realidade está o flá-flu político em torno do Banco Central.
Pelas declarações de políticos –e de integrantes do mercado financeiro–, pode até parecer que os diretores do Banco Central indicados por Lula e Bolsonaro são como membros de dois partidos dentro do BC: cada grupo com suas posições sobre política econômica teria lados opostos nas discussões e pontos de vistas distintos sobre a economia.
Isso não existe, é uma ficção.
Lula e o PT criaram e alimentaram essa narrativa. Aí, em uma reunião do Copom no meio do ano passado, os quatro diretores do Banco Central indicados por Lula votaram de uma maneira enquanto Roberto Campos Neto e os outros quatro diretores indicados por Bolsonaro votaram de outra. A diferença entre as decisões era pequena, 0,25%, mas parte significativa do mercado financeiro tomou como um sinal de que o Banco Central a partir de 2025 seria leniente com a inflação.
A visão do BC como palco do flá-flu político, dominante nas redes sociais, conquistara mais adeptos.
Desde então, as decisões do BC têm sido unânimes –eu acho que é para evitar ruídos como aquele. Gabriel Galípolo tomou posse na presidência no início do ano e nada mudou na condução da política monetária.
Defensores da tese do flá-flu vão dizer que esse aumento de juros de fato havia sido indicado no ano passado. Sim, mas é muito improvável que essa indicação do aumento de juros no início deste ano tenha sido decidida à revelia de Galípolo –e mais provável que tenha sido feita para facilitar o trabalho dele, que tomava posse sob desconfiança de muitos. Até porque essa indicação de aumento de juros poderia ter sido revertida, ou o aumento poderia parar agora –e não vai.
Está na hora de quem alimentou ou acreditou nesse flá-flu político reconhecer que essas ideias não correspondem aos fatos.
Diretores do Banco Central com frequência saem da academia. Por isso, conheço vários diretores e ex-diretores (e, provavelmente, futuros diretores) do BC. Da atual composição do Copom, conheço quatro. Todos os que conheci tinham o genuíno interesse de fazer o melhor possível. Diferenças de visões existem, sempre, como não poderia deixar de ser, mas não me lembro de discordâncias ligadas a questões políticas.
Gráficos nos jornais e na TV com a trajetória da inflação no tempo sempre mostram as fotos dos presidentes “responsáveis pela inflação de cada período”.
O Executivo pode de fato fazer bastante para ajudar a conter ou criar inflação –na política fiscal, no gerenciamento dos bancos públicos como o BNDES e nas medidas que afetam o mercado de crédito, por exemplo. Várias dessas medidas afetam a inflação corrente, outras afetam o futuro. Em geral, elas dependem do Legislativo.
Porém, a discussão de política econômica seria mais saudável se entendêssemos que, nos últimos anos, o Banco Central não é palco de embate político.
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