Parecia destino quando Flavio Simonassi, 52, foi contratado como comissário de bordo da Varig em 1997, a maior empresa de aviação do país na época. Na profissão, pôde conhecer o mundo e seu marido, Leandro Simões, 48.
Ele ficou por quase dez anos na companhia, até ela ser abatida por uma crise. Da época, ficou o orgulho de ter trabalhado em uma companhia que oferecia um serviço sofisticado aos passageiros e benefícios, como viagens baratas, para os funcionários.
Em março do ano passado, o governo Lula (PT) fechou um acordo para pagar à massa falida da Varig como indenização por prejuízos causados pelo congelamento dos preços de passagens aéreas, em virtude do Plano Cruzado. Desse valor, cerca de R$ 1 bilhão será usado para quitar dívidas com pelo menos 15 mil trabalhadores. No último dia 27, a AGU (Advocacia-Geral da União) anunciou um acordo para quitar dívidas do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) da companhia aérea.
Hoje sócio de um ateliê de costura em São Paulo, Simonassi ainda aguarda receber parte das dívidas para quitar sua casa, mas apesar dos traumas da época de decadência da empresa que já foi um dos símbolos da aviação comercial brasileira, guarda boas lembranças.
Esse texto faz parte de uma série em que trabalhadores rememoram profissões ou negócios que deixaram de existir.
Leia abaixo o relato de Simonassi.
Trabalhei na Varig de 1997 até o seu fim, como comissário de bordo. Fiz o curso aos 19 anos, estudava publicidade e propaganda já querendo trabalhar lá. Além de ser a maior empresa de aviação da época, era a que pagava melhor, muita gente que trabalhava na Vasp ou na Transbrasil pedia demissão quando abria uma vaga. Foi também assim que conheci meu marido, Leandro, um dia antes da formatura.
Lembro da minha primeira viagem: de São Paulo a Aracaju. Era um sonho realizado, trabalhar na famosa Varig, e depois de uns dois anos, comecei a fazer voos internacionais. Na época, eram oito folgas obrigatórias por mês e se você chegava de manhã de um voo, tinha 12 horas de descanso. Entre chegadas e partidas, dava para ficar bastante em casa.
Ia bastante para Frankfurt, era um voo de 14 horas, cansativo, mas todo mundo saía para fazer compras, para jantar à noite, no dia seguinte batia perna pela cidade.
O diferencial da Varig era oferecer um serviço mais sofisticado do que o das outras empresas, em geral, check-in, compra e venda e o serviço de bordo eram melhores. A concorrência era com a TAM (na época), mas tínhamos as melhores rotas e os melhores horários.
No voo para o Japão, tinha uma louça especial usada na primeira classe e o serviço de bordo por anos foi considerado o melhor do mundo. Hoje seria difícil concorrer com empresas, como a Emirates e a Qatar.
Dava orgulho, todo mundo sonhava em trabalhar na Varig também pelos benefícios, como por exemplo poder viajar nas férias para qualquer lugar em que ela operava por apenas US$ 20. Dá para imaginar, ir a Tóquio, Nova York ou Buenos Aires por esse preço? E os familiares dos funcionários pagavam um pouco mais.
Eram mais de 4.000 comissários e o clima de trabalho era ótimo. A tripulação não era fixa, se você trabalhava quatro dias com um colega, podia ficar anos sem voar com ele de novo. Eram várias pessoas de jeitos diferentes, acontecia de alguém não se identificar muito com outra pessoa, mas a maioria do pessoal era muito legal.
O contato com os passageiros também sempre foi tranquilo, mas na época o pessoal não levava tanta bagagem. Tem de gostar de gente e eu já tinha a experiência de trabalhar como vendedor em lojas de shoppings. Durante o tempo em que trabalhei lá, nunca passei por uma emergência, algo que a gente tem de estar preparado, mas espera nunca enfrentar.
O período final da Varig foi muito triste. Antes que o serviço começasse a decair, vieram os problemas com os fornecedores, passaram a atrasar os salários e as diárias e a devolução de aviões. Quando ela foi a leilão, tinha cerca de 30 aviões, a gente não tinha um sachê de açúcar para dar ao passageiro se ele pedisse, era muito difícil.
Meu último voo foi na minha rota preferida, Frankfurt, e foi meio que uma despedida. Era legal, porque o voo era bom e era muito barato fazer compras lá na época, principalmente de roupas.
Nunca mais quis trabalhar na área. Fui trabalhar com vendas, vendendo carros, me empolguei a fazer curso de corte e costura e abrimos o ateliê.
Hoje, meu marido e eu temos um ateliê de costura, em Santana, chamado Maria Rosa. Fazemos vestidos de festas, de noiva e alfaiataria para homens. Também me tornei sacerdote de umbanda, de um centro que deve ser reinaugurado em breve.
Um dos traumas foi com o fundo de previdência Aerus. Em uma época, me empolguei e contribuía com 2% do salário, mas depois de uma crise em 1999 que teve na Varig, um período econômico difícil no país com várias demissões, voltei de férias e reduzi a contribuição para 0,5%. Quando a crise do Aerus estourou, eu tinha cerca de R$ 30 mil, mas tinha gente com R$ 700 mil para receber.
Agora aguardamos o acerto e meu plano é quitar a minha casa. Mas apesar de todo esse trauma, só tenho boas lembranças de quando trabalhei na Varig.