Faz alguns anos que não bebo e outros tantos que não tenho namorado. Isso não me incomoda. Acontece que para as pessoas ao redor pareço um óvni. Ou talvez não, eu é que me sinto ameaçada pelos olhares curiosos. “Você nunca namorou?”, perguntou meu sobrinho de 12 anos. Pois é, ao longo da existência dele, de fato, nunca estive com ninguém. Não apresentei ninguém à minha família, pelo menos.
Minha vontade era contar tudo para ele, que sou alcoólatra e que não consigo me relacionar amorosamente com ninguém. Essa é a verdade. Vivo bem sozinha. Tenho, claro, meus relacionamentos que não são sérios. Isso me torna uma pessoa menor?
Será? Além de não ter um parceiro, não tenho filhos. Isso me coloca em uma caixinha. Já contei aqui que acredito nunca ter sido mãe por causa do meu alcoolismo. Quando tinha uma idade boa para isso, estava muito louca. Acompanhei o nascimento dos filhos dos meus amigos, dos meus irmãos, e para mim sempre me pareceu tudo muito bonito mas distante. Imagina se eu tivesse ficado grávida de um dos tantos homens com quem transei bêbada? Não teria sido nada agradável.
Muitas vezes me sinto uma pessoa estranha. Quando encontro amigos, por exemplo, e escuto o papo dos filhos, das escolas, dos problemas que uma criança traz para a vida deles, me sinto um peixe fora d’água. Já sofri muito, já me senti diminuída, uma mulher pela metade. Hoje curto a minha condição de solitude. Se por um lado perdi muita coisa, por outro é um alívio não ter alguém para cuidar.
Minha doença, e aqui não me refiro só ao alcoolismo, mas à bipolaridade ou ao fato de ser borderline (nunca sei ao certo se algum dia vão fechar um diagnóstico), me deixa cansada. O ano passado foi todo voltado para a recuperação do surto que tive. Foram meses de depressão e fico imaginando se tivesse um ser humano que dependesse dos meus cuidados… Bom, tenho meu cachorro, mas isso é uma demanda totalmente diferente.
Para o meu sobrinho eu menti, disse que tenho muitos namorados, o que aos olhos dele me torna interessante. A tia dele é descolada, tem uma vida louca. Só que não, eu sou uma pessoa serena. Nos Alcoólicos Anônimos isso é uma maravilha. É tudo que buscamos. Sabe por quê, né? Já tive muito essa vida desvairada. Já bebi muito e tive muitos casos, mas isso parece uma outra vida, algo muito distante. Não quero mais nada disso para mim. Quero o sossego, a água de coco, a coca zero e muitas séries.
Não tem nada de chato nisso. Sou livre para poder ser o que eu quiser. Por muitos anos fiquei acorrentada ao álcool. Meu namorado era ele, não trocava por nada. Se ainda estivesse na ativa, jamais poderia ter uma conversa com meu sobrinho. Lembro que quando ele era pequeno, eu ainda bebia e tinha pavor de criança. Se eu ainda não consigo ter um relacionamento mais sério –e nem sei se de fato quero um–, pelo menos sei muito bem viver comigo.
É importante aceitar tudo. Minha vida mudou completamente desde que parei de beber e venho descobrindo novos caminhos. Um dia de cada vez. Às vezes meio solitária, mas consciente para poder escolher o que quero e com a certeza de que assim é infinitamente melhor.
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